Iniciei com 1 dia de atraso o Calendário do Advento - tempo de espera. Enquanto espero, penso, lembro, reflito.
Nestes “walk in closets” as lembranças nos espreitam em lugares inusitados e, uma vez lá dentro, a noção de tempo se transforma, e, suspensos no ar pelo cheiro do passado cuidadosamente dobrado e arrumado, flanamos sobre nós mesmos.
Engano.
Gosto de entrar neste museu contornando a escadaria central pela direita e seguir em frente até a Ala Medieval de Esculturas.
No caminho vou desacelerando a energia de Nova Iorque: o trânsito barulhento das buzinas e sirenes, as ordens dos guardas para a inspeção das bolsas, a fila enorme da chapelaria, o formigueiro de gente no “Great Hall” – tudo fica para trás.
O grande atrium iluminado dramaticamente, e propositalmente escuro, aguça meus sentidos e me faz mais observadora. As vozes diminuem, a temperatura cai em alguns graus. O momento é de instropecção.
A grade do coro da Catedral de Valadolid, ao fundo, ao mesmo tempo que me convida a entrar, me protege do mundo externo; fecho os olhos e tento ouvir um coro gregoriano, as vozes dos monges que me conduzirão à vida eterna. Ali começo a visita, e ali gosto de terminá-la. A emoção do que vi pelas inúmeras salas, guardo-a naquele hall, para encontrá-la na próxima vez, como se fosse a primeira.
Ao chegar ao hall medieval me deparei com uma imensa árvore de natal e um presépio ao seu redor.
Eram 16:30, todas as luzes se apagaram e “Noite Feliz” suavemente envolveu o ambiente.
Ainda agitada pelo que deixei lá fora, tentei procurar um papel que me explicasse o que estava acontecendo, busquei um lugar para enxergar melhor, me inquietei, peguei a câmera, mas, vi o aviso que não é permitido fotografar. A minha agitação destoou do ambiente.
Uma luz, mais suave ainda do que a música, se é que era possível, iluminou a coroa do menino Jesus. Deitado na manjedoura, sem roupa, entre Maria e José, o menino foi inundado por ela, sua coroa brilhou sozinha, e o resto - penumbra.
A luz iluminou em sequência: Maria, José, e os 3 querubins que, dispostos em sutil triângulo abrigavam a Sagrada Família.
No mesmo compasso, música e luz, se espalharam pelos anjos vestidos de seda em rosa, azul, amarelo, que dispostos em espiral se espalham pelo imenso pinheiro até a estrela do topo. Se, se desprendessem dali e subissem aos céus em grande revoada não causariam espanto. Quase pedi que me levassem junto.
Outro foco surgiu no pé da árvore e, Balthazar, Melchior e Gaspar, que souberam ler a mensagem da estrela e a seguiram como que caminham em direção à cena principal. Pouco a pouco, a cidade ao redor se coloca me movimento, sai a fornada da padaria, o sapateiro bate a sola, a ovelha pasta. Tudo é vivo novamente.
Quanto tempo dura a eternidade? Acho que uns 10 minutos no máximo.
As palmas me tiraram do sonho.
Ainda perplexa tentei entender o que era este espetáculo. Não sei ficar só na emoção.
Os anjos e o presépio foram uma doação para o museu de Loretta Hines Howard Fund. Loretta Hines Howard iniciou em 1925 uma coleção de figuras de presépio napolitano do século 18, e montava-o em sua casa assim como está hoje no museu – ao redor da árvore de Natal.
A cada ano elas criam novas ambientações para as figuras que vão sendo adquiridas, a coleção não para de crescer.
A ambientação é típica dos presépios napolitanos com os três personagens marcantes: a Sagrada Família cercada pelos animais e adornada por um templo romano - para mostrar a força da igreja católica sobre os símbolos pagãos -, os Reis Magos vindos do oriente com vestimentas exuberantes e exóticas, e as pessoas comuns da cidade e do campo ocupadas nas suas atividades diárias.
Fiquei ali, passeando no “walk in closet”, espiando minhas caixas, sacos de tecidos, capas cobrindo cabides, tinha muito para ver e lembrar.
Thank you, Mrs. Howard, pela beleza da coleção e pela grandeza do gesto de dividir o prazer de ter colecionado.