quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

1 de dezembro


E chegou dezembro...


Iniciei com 1 dia de atraso o Calendário do Advento - tempo de espera. Enquanto espero, penso, lembro, reflito.


Momentos novos despertam os já vividos num delicado abrir e fechar de armários a procura de lembranças.


Os americanos chamam de “walk in closet”, o armário que nos envolve com prateleiras, cabides e gavetas.


Nestes “walk in closets” as lembranças nos espreitam em lugares inusitados e, uma vez lá dentro, a noção de tempo se transforma, e, suspensos no ar pelo cheiro do passado cuidadosamente dobrado e arrumado, flanamos sobre nós mesmos.


Os museus são para mim um tipo de “walk in closet”, principalmente os pequenos, meus preferidos; aqueles que foram um dia a casa de alguém, ou os que guardam em lugar especialmente construído, uma coleção particular. Entrar num destes museus me provoca, ora, uma sensação de intimidade com o dono, ora, uma sensação de constrangimento, como se pisasse em lugar privado que não deveria ser exposto a tantos olhos.


Mas, voltando ao armário. Outro dia entrei em um deles. Foi no Metropolitan Museum em Nova Iorque que, pelo seu gigantesco tamanho, parece não dar espaço para experiências intimistas.

Engano.

Gosto de entrar neste museu contornando a escadaria central pela direita e seguir em frente até a Ala Medieval de Esculturas.


 No caminho vou desacelerando a energia de Nova Iorque: o trânsito barulhento das buzinas e sirenes, as ordens dos guardas para a inspeção das bolsas, a fila enorme da chapelaria, o formigueiro de gente no “Great Hall” – tudo fica para trás.

O grande atrium iluminado dramaticamente, e propositalmente escuro, aguça meus sentidos e me faz mais observadora. As vozes diminuem, a temperatura cai em alguns graus. O momento é de instropecção.

A grade do coro da Catedral de Valadolid, ao fundo, ao mesmo tempo que me convida a entrar, me protege do mundo externo; fecho os olhos e tento ouvir um coro gregoriano, as vozes dos monges que me conduzirão à vida eterna. Ali começo a visita, e ali gosto de terminá-la. A emoção do que vi pelas inúmeras salas, guardo-a naquele hall, para encontrá-la na próxima vez, como se fosse a primeira.


Mas ontem, este “walk in closet” abriu uma porta nova, uma passagem secreta dentro do armário conhecido.


Ao chegar ao hall medieval me deparei com uma imensa árvore de natal e um presépio ao seu redor.





Eram 16:30, todas as luzes se apagaram e “Noite Feliz” suavemente envolveu o ambiente.
Ainda agitada pelo que deixei lá fora, tentei procurar um papel que me explicasse o que estava acontecendo, busquei um lugar para enxergar melhor, me inquietei, peguei a câmera, mas, vi o aviso que não é permitido fotografar. A minha agitação destoou do ambiente.


Uma luz, mais suave ainda do que a música, se é que era possível, iluminou a coroa do menino Jesus. Deitado na manjedoura, sem roupa, entre Maria e José, o menino foi inundado por ela, sua coroa brilhou sozinha, e o resto - penumbra.


A luz iluminou em sequência: Maria, José, e os 3 querubins que, dispostos em sutil triângulo abrigavam a Sagrada Família.





No mesmo compasso, música e luz, se espalharam pelos anjos vestidos de seda em rosa, azul, amarelo, que dispostos em espiral se espalham pelo imenso pinheiro até a estrela do topo. Se, se desprendessem dali e subissem aos céus em grande revoada não causariam espanto. Quase pedi que me levassem junto.





Cada anjo, e são 50, foi iluminado por uma pequena vela que conferiu a seu rosto, de terracota, feições quase humanas.






Outro foco surgiu no pé da árvore e, Balthazar, Melchior e Gaspar, que souberam ler a mensagem da estrela e a seguiram como que caminham em direção à cena principal. Pouco a pouco, a cidade ao redor se coloca me movimento, sai a fornada da padaria, o sapateiro bate a sola, a ovelha pasta. Tudo é vivo novamente.




Quanto tempo dura a eternidade? Acho que uns 10 minutos no máximo.



As palmas me tiraram do sonho.


Ainda perplexa tentei entender o que era este espetáculo. Não sei ficar só na emoção.


Descubro então num folheto o mistério.


Os anjos e o presépio foram uma doação para o museu de Loretta Hines Howard Fund. Loretta Hines Howard iniciou em 1925 uma coleção de figuras de presépio napolitano do século 18, e montava-o em sua casa assim como está hoje no museu – ao redor da árvore de Natal.


Em 1957, ela apresentou pela primeira vez sua coleção no Metropolitan. Desde 1964 a coleção vem crescendo, atualmente são mais de 200 peças e, há mais de 40 anos ela é exibida no mês de dezembro como parte das comemorações de Natal do museu e da cidade.


Como se faz em família, Linn Howard, filha de Loretta ajudava sua mãe a montar a exposição e, após a morte da sua mãe em 1982, ela manteve a tradição com sua filha, Andrea Selby.
A cada ano elas criam novas ambientações para as figuras que vão sendo adquiridas, a coleção não para de crescer.


A ambientação é típica dos presépios napolitanos com os três personagens marcantes: a Sagrada Família cercada pelos animais e adornada por um templo romano - para mostrar a força da igreja católica sobre os símbolos pagãos -, os Reis Magos vindos do oriente com vestimentas exuberantes e exóticas, e as pessoas comuns da cidade e do campo ocupadas nas suas atividades diárias.


Fiquei ali, passeando no “walk in closet”, espiando minhas caixas, sacos de tecidos, capas cobrindo cabides, tinha muito para ver e lembrar.




Thank you, Mrs. Howard, pela beleza da coleção e pela grandeza do gesto de dividir o prazer de ter colecionado.






segunda-feira, 17 de outubro de 2011

De como uma manhã pode começar




O jornal, alimento mais perecível da mesa do café da manhã, me lê uma crônica do Joaquim Ferreira dos Santos, que começa assim:


“Quando a vida está nublada e o aeroporto da existência parece que nunca mais vai abrir para nova decolagem, é aí que eu toco a campainha do Ithay, o edifício art-déco na Nossa Senhora de Copacabana. Peço ao porteiro para me deixar pisar no mosaico de cerâmica que imita no hall as ondas do mar de dois quarteirões adiante, o fabuloso verde-azul do mar da praia de Copacabana.
Há quem tome pílulas, há quem tatue felicidade no pulso direito. Quando estou perdido, meio sem saber por onde ir, eu busco me redirecionar com a bússola que me guia os passos, a beleza da cidade onde eu nasci e que não me canso de percorrer.”.


E a crônica segue com um passeio por Copacabana, mais especificamente pelo Lido, que vai da Princesa Isabel até a Rodolfo Dantas, onde ali no número 111, por trás do portão de ferro altíssimo a vida se passou entre nublada e ensolarada.

Gostei deste começo de crônica e fiquei a pensar: Quando a vida está n ublada e o aeroporto da existência parece que nunca mais vai abrir para nova decolagem é aí que eu:

- ouço no Ipod Toada do Boca Livre e subo a serra de Petrópolis em direção a Araras.



- abro Apontamentos de História Sobrenatural do Mário Quintana e leio na página 92:



Os grilos .. os grilos .. Meu Deus, se a gente
Pudesse
Puxar
Por uma
Perna
Um só
Grilo,
Se desfiariam todas as estrelas!



- vou à geladeira e com a porta aberta dou uma “mamadinha” na lata de Leite Moça.


- troco a música por “Doe eyes” de As pontes de Madison e sonho com alguém batendo a porta suavemente.

- abro a caixa rosa com as cartas e cartões das minhas amigas recebidos nos primeiros anos em que me mudei de cidade e leio uma por uma pela milionésima vez.

- abro a outra caixa, a azul, com os cartões e desenhos dos filhos quando pequenos e leio de novo as letrinhas tortas.

- molho o pincel num azul profundo da caixa de aquarela e desenho céu e mar sem fim, até o azul desaparecer no branco da folha.


- caminho na praia, pisando a ”areia branca que seus pés irão tocar”.

- entro no chuveiro para que a água caia e se junte às lágrimas lavando o corpo inteiro.

- abro o armário, qualquer um, e num transe, esvazio prateleiras, passo pano, jogo no lixo, descubro uma peça esquecida e assim “limpada” de tralhas velhas fico leve.


- troco de novo a música agora é: “Maria era uma boa moça, prá turma lá do Gantois...” e sinto o frio da madrugada nas minhas costas, meu cabelo despenteado, a camisola rosa e o grande, enorme, iluminado sorriso do meu pai abrindo a porta de casa, no verão, para a turma da serenata entrar.

- quero ligar 2542-2786, mas a voz que quero ouvir não me atenderá.

- ligo para as primas só para escutar: Oiiiiiiiiiiiiiiiii, olááááááá´, fala prima, dependendo do número escolhido.

Talvez faça muito mais do que isto, mas será sempre a variação destas coisas que me fazem colocar a bússola no mesmo lugar: o da criança, mulher desejada, filha, amiga, desvairada, inconstante, equilibrada, amada, e que me me asseguram que o aeroporto só está fechado momentaneamente.


Mesmo que o momento dure mais do que se possa aguentar,




um pouquinho de melancolia é bom.




































segunda-feira, 3 de outubro de 2011

As Rosas não falam






As rosas não falam,
As primas falam
As rosas tem perfume
As primas, colo
As rosas tem espinhos
As primas, verdades
As rosas enfeitam
As primas completam
As rosas precisam ser cultivadas
As primas também
As rosas murcham e morrem
As primas permanecem

Correios em greve: não entregam flores.
Envio eu uma rosa colhida na Provence para aquelas que falam a língua do afeto.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Pergunta 1




Ao visitante 51779, que será o próximo a ver pela primeira vez este post.




Será que você tem alguma resposta? Ou outra pergunta?



Por que os imensos aviões
não passeiam com seus filhos?





Qual é o pássaro amarelo
que enche o ninho de limões?


Por que não ensinam a tirar
mel do sol aos helicópteros?




Onde deixou a lua cheia
seu noturno saco de farinha


segunda-feira, 11 de julho de 2011

Como comemorar as mais de 5000 vezes que o Sótão e o Porão já foram visitados?



Não se entra nestes lugares sem aquela curiosidade que matou o gato: “o que tem aí?” se nos agrada ou não o que encontramos, depende.








O presente que você vai encontrar aqui no Sótão e no Porão cada vez que der uma espiadinha será, entre outras coisas, uma pergunta.

Pode levar para casa, pode deixar sua resposta, pode propor outra pergunta.




Passamos a vida a perguntar, mas variamos muito pouco as perguntas. E por isto as respostas também tendem a serem as mesmas.



A sensação de tédio que acompanha esta estagnação nos invade como um cinza gelado que desbota a cor dos olhos, apaga o sorriso e transborda a alma.
Os gregos iam ao Oráculo de Delphos e a Pitonisa em transe fazia profecias.




O Oráculo, porém advertia: “Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”. Mas o homem não acreditou e continuou indo aos bruxos, magos, sábios, psicanalistas, sempre com perguntas - as mesmas.

Existem homens que fazem perguntas diferentes ao invés de darem respostas iguais, mas a estes homens, pouco ouvido se dá, os chamam de loucos, ou pior ainda: de poetas.

Um poeta é a salvação para muitas coisas. Um poeta que faz perguntas é de mais valia ainda.




Neruda, menino/poeta, deixou um livro com 74 versos de puro encantamento. Pergunta o mesmo, ao contrário, ao avesso, de cima para baixo, de baixo para cima, da esquerda para a direita, vice-versa, através, perto de mais, longe de mais.

E como o livro não tem ordem, ou melhor tem, mas não há porque segui-la, vou começar pelo verso XXXII, o verso em que o poeta se apresenta:

Há algo mais tolo na vida
que chamar-se Pablo Neruda?

Há no céu da Colômbia
um colecionador de nuvens?

Por que sempre se fazem em Londres
os congressos de guarda-chuvas?

Sangue cor de amaranto
tinha a rainha de Sabá?
Quando Baudelaire chorava
chorava com lágrimas negras?


*o livro guardado aqui é o da L&PM edição de 2007, com tradução de Olga Savary, mas tem uma edição da Cosac Naify, também de 2007, lindamente ilustrada por Isidro Ferrer e tradução de Ferreira Gullar

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O rio é uma gota

Quando você está à margem de um rio, tudo passa, só você fica.




O rio não tem consciência de si mesmo.





São gotas de água aos milhares, aos milhões, que juntas correm sem pensar. Cada uma se percebe como o rio inteiro.






Só você – à margem- as vê como gotas, e isto é muito.

terça-feira, 21 de junho de 2011

De lembranças e pássaros







O Sótão e o Porão guardam coisas raras e preciosas.



Há sempre uma caixa cuidadosamente limpa e espanada com freqüência onde ficam a solidariedade e a amizade. Está sempre na frente, à mão, e constantemente tem que ser substituída por uma maior, pois, quanto mais se usa a solidariedade e se desfruta da amizade, mais elas crescem ocupando lugares ociosos que, por algum descuido, podem sorrateiramente serem surrupiados, por artigos menos nobres, mas humanos também.




As Traças por vezes barulhentas, por vezes falastronas, quando solidárias se calam num silêncio respeitoso. Ficam por perto, observam, oferecem algo e partem.



Assim também é a poesia. Não nos procura, ou melhor, nos procura sem que saibamos, e quando a encontramos nos lê de tal forma que nos coloca em grande silêncio – aquele dos entendimentos profundos.





Quando a poesia encontra a natureza, ou vice-versa, os silêncios são grandes, as imagens sutis e o resultado é o nosso alumbramento diante da simplicidade.





Ninguém melhor do que Manoel de Barros para esta mistura e esta singeleza; grande mestre de palavras simples, conta uma história de irmãos que me fez pensar em oferecê-la a uma grande amiga.





ÁRVORE


Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.


Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.


No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de


sol de céu e de lua mais do que na escola.



No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo



mais do que os padres lhes ensinavam no internato.



Aprendeu com a natureza o perfume de Deus



seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul



E descobriu que uma casa vazia de cigarra esquecida



no tronco das árvores só serve pra poesia.



No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.



Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,


envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos


e tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.


Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore


porque fez amizade com muitas borboletas."


Manoel de Barros

Ensaios Fotográficos

Poesia Completa

Leya, 2010


Claudia, escolha uma árvore que possa acolher as lembranças.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Mãos soltas, almas, não!





Um homem nasceu.
Nascemos todos mais uma vez.

Um homem morreu.
Morremos todos um pouco.

Seus dons ficaram espalhados por todos que estavam à sua volta.






Alguém fala ao longe: sairá da minha vida pelo mesmo lugar que entrou - A porta da frente da minha casa!







Busco mais uma vez em Borges, a universalidade da poesia. Esta caiu nas minhas mãos ontem. Não à toa.

Os dons

Foi-lhe ofertada a música invisível
que é um dom do tempo e que no tempo cessa;
foi-lhe ofertada a trágica beleza,
foi-lhe ofertado o amor, coisa terrível.

Foi-lhe ofertado saber quem em meio às belas
mulheres deste mundo há apenas uma;
pôde uma tarde descobrir a lua
e com a lua a álgebra das estrelas.

Foi-lhe ofertada a infâmia. Docilmente
ele estudou as infrações da espada,
a ruína de Cartago, a apertada
batalha do Oriente com o Poente.

Foi-lhe ofertada a língua, essa mentira,
foi-lhe ofertada a carne, que é argila,
foi-lhe ofertada o obsceno pesadelo
e na vidraça o outro, o que nos mira.

Dos livros que o tempo acumulou
foram-lhe concedidas poucas folhas;
de Eléia, paradoxos comedidos,
que o desgaste do tempo não gastou.
O altivo sangue do amor humano
(a imagem é de um grego) lhe foi dado
por Esse cujo nome é uma espada
e que recita as letras para a mão.

Mais coisas lhe ofertaram, com seus nomes:
o cubo e a pirâmide e a esfera,
a inumerável areia, e a madeira
e um corpo para andar em meio aos homens.

Foi digno do sabor de cada dia;
eis tua história, que é também a minha.


Atlas,
trad. Heloisa Jahn
Companhia das Letras

Cecília, para você que gosta tanto de andar por aqui.




sábado, 18 de junho de 2011

Tem alguém aï?











Nunca pensei que tivesse alguém tomando deste lugar, mas tenho ouvido com alguma freqüência que o lugar está abandonado.

Nem sempre dá para vir até aqui, mas parece que algumas pessoas gostam de dar uma passadinha e se ressentem quando não acham nada novo, acham que o dono não está dando a atenção adequada.










Existe um tempo em que é quase uma necessidade revirar as lembranças, outro tempo em que se gasta fabricando lembranças que um dia serão lembradas e há um tempo ainda em que se gasta procurando uma lembrança que não vivemos, mas que daríamos tudo para ter vivido.

Para estas últimas recorro a um dos poemas mais lindos de Borges, escolha pessoal e intransferível.





Elegia da Lembrança Impossível

O que não daria eu pela memória
De uma rua de terra com baixos taipais
E de um alto ginete enchendo a alba
(Com o poncho grande e coçado)
Num dos dias da planície,
Num dia sem data.
O que não daria eu pela memória
Da minha mãe a olhar a manhã
Na fazenda de Santa Irene,
Sem saber que o seu nome ia ser Borges,
O que não daria eu pela memória
De ter lutado em Cepeda
E de ter visto Estanislao del Campo
Saudando a primeira bala
Com a alegria da coragem.
O que não daria eu pela memória
Dos barcos de Hengisto,
Zarpando do areal da Dinamarca
Para devastar uma ilha
Que ainda não era a Inglaterra.
O que não daria eu pela memória
(Tive-a e já a perdi)
De uma tela de ouro de Turner,
Tão vasta como a música.
O que não daria eu pela memória
De ter sido um ouvinte daquele Sócrates
Que, na tarde da cicuta,
Examinou serenamente o problema
Da imortalidade,
Alternando os mitos e as razões
Enquanto a morte azul ia subindo
Dos seus pés já tão frios.
O que não daria eu pela memória
De que tu me dissesses que me amavas
E de não ter dormido até à aurora,
Dissoluto e feliz.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral


Obrigada pela saudade que nem sabia que estavam sentindo.





quinta-feira, 31 de março de 2011

Este é um comentário que vem copiado aqui. É quase como se fosse a continuação do texto do Ninho Vazio. Um dos integrantes do ninho falou: E que ninho aconchegante, viu! Muito obrigado, mãe, por manter nosso ninho sempre limpinho e tinindo!!!! Mil beijos!Nando Para todo o resto existe Mastercard.

domingo, 27 de março de 2011

Ninho Vazio


Eu não vivo sem o Google, alguém vive?


Custa relativamente barato: um computador, uma conexão rápida e lá vamos nós, horas e horas de viagem.


Ontem o Google não me foi de grande ajuda.


Fui procurar “O que fazer com o Ninho Vazio”, apareceram 271.000 resultados, mas não havia uma resposta específica.


Não estando no Google, não tive outro jeito que o de me virar com o que tinha.


Tirei o ninho de dentro do armário para ver em que situação se encontrava. Não estava de todo mal. Já há algum tempo atrás tinha dado uma boa limpeza, costurado umas palinhas que se tinham rompido, refeito o assoalho para que ficasse firme caso precisasse colocar algo lá dentro. Limpei bem a poeira, tentei arejar na janela, mas o vento forte impediu.


Aliás, se há coisa frágil é Ninho Vazio. Todo o cuidado é pouco, qualquer movimento brusco, ele voa, cai se despedaça, se rompe.


Também não pode ser guardado em qualquer lugar, o fundo do armário é o pior de todos, cria mofo, desaparece atrás de outras coisas, na maior parte das vezes atrás de lindas caixas cheias de desculpas perfeitas. De mais fácil acesso, estão sempre ao alcance da mão para serem usadas.


E assim, empurrado cada vez mais para trás, quando queremos mexer nele precisamos de algumas mãos para tirá-lo do lugar, ou pelo menos para segurar a escada enquanto subimos com medo de cair.


Pois muito bem, Coelhinho da Páscoa não existe, faltam quatro semanas para Páscoa, já é primavera, e as temperaturas teimam em não subir, mas o domingo amanheceu por aqui com o ninho limpo, tinindo de bonito, cheio de ovos de Páscoa.




Ninho Cheio, Ninho Vazio, isto não está no Google.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Luares

Admiro os colecionadores. Passar a vida atrás de algo demanda esforço, disciplina e às vezes muito dinheiro.

Lembro sempre do José Mindlin contando como formou sua biblioteca, sonho em conhecer, ou as casas de Neruda com suas coleções malucas, mas uma especialmente interessante – sereias, ou figuras femininas que iam na proa dos navios para afastar os monstros marítimos, ou de ir ao Museu Nissim – Camondo em Paris, onde Monsieur Camondo decorou sua casa com móveis e objetos decorativos franceses do século XVIII e levou mais ou menos 20 anos para juntar duas cômodas francesas, idênticas, decoradas com placas de porcelanas de Sèvres. Mr. Frick em New York colecionou arte, da boa, e acordava no meio da madrugada para admirá-las em silêncio. Graças a seu espírito de mecenas podemos sentar na mesma sala e mergulhar naquela beleza.

Algumas coleções não custam nada, são conchinhas do mar, tubinhos de areia, folhas secas, que à medida que cruzam o caminho estende-se a mão e pega-se.

Não sei se a lua cheia desta semana está influenciando os espíritos, mas lendo a resenha de um livro no jornal, imaginei que o autor colecionava luares.

Este foi meu jeito romântico de entender o assunto do livro.

O título: Nocturne: A Journey in Search of Moonlight.

O autor, James Attlee, num passeio à noite na costa da Inglaterra viu-se de repente tomado pela imagem da lua nascendo, em suas palavras: “the rim of the harvest moon emerging from the sea, a monstrous, swollen aparition.”.

Como acontece com todos aqueles que, tocados por um acontecimento extraordinário, neste caso a lua, ou melhor, o luar, tudo passou a ter outra dimensão na vida de Attlee.

Começou pela observação do luar a partir do seu quintal, da sua rua da sua cidade e assim foi começando sua coleção. Mas as luzes das grandes cidades lhe roubavam os melhores momentos, e como numa grande coincidência, lhe caiu nas mãos um telescópio; depois uma ida a uma instalação de arte, onde o artista mostrava o resultado da transformação de notas da Sonata Moonlight de Beethoven em código Morse, que eram enviadas para a lua e, ao tocarem a superfície lunar eram de novo reenviadas para a terra. Transformadas pela viagem se convertiam em notas novamente. Para Attlee este som é mais adequado aos ouvidos do século XXI. Eu e o crítico discordamos, mas isto não invalida a coleção.

Attlee vai levando os leitores por passeios intermináveis em busca de luares: no Japão, no Arizona, nas observações sobre o luar de Goethe em Nápoles e de Dickens no Vesúvio, nas telas de Whistler onde o pintor, na série "Noturnos", usava tantas tintas e tantas cores tão diluídas para chegar na “luz” desejada que a tela precisava ser pintada deitada no chão para não escorrer.

Fiquei com vontade de procurar a minha coleção de luares, sim devo ter uma.
Como é algo que não dá para pegar e guardar numa caixa, numa gaveta ou numa pasta, vou ao Sótão e lá acharei com certeza.

E lá estavam...

O luar que iluminava, mas não vencia a noite em que tive a notícia mais triste da minha vida.

Aquele luar que iluminando uma pedrinha mínima no chão me fez levantar a cabeça para procurar de onde vinha a luz e me fez ouvir:
a lua nasce por detrás daquela mata
até parece um sol de prata
prateando a escuridão.
Para fazer uma música desta precisa ter Paixão no nome.

Também apareceu aquele da noite fria de inverno, noite de Santo Antônio, onde um olhar “acendia a fogueira no meu coração”.

Aquele luar de uma serenata: “A lua é um tiro ao alvo e as estrelas, bala e bala”.

E foram muitos e tantos que a sala antes escura agora brilha calma e prateada. Beethoven bem baixinho me ajuda a sonhar.

P.S. Este post vai sem foto, para que cada um se sinta tomado pelo seu luar.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Janelas do Mundo




Jardins e livros são das coisas que mais gosto na vida, com eles por perto tenho a sensação de estar sempre em casa.

Uma vez fiquei sem fôlego, totalmente tomada por uma lembrança de infância ao ver uma enorme magnólia em Washington. A minha lembrança não era da árvore, e sim do perfume da flor. Na mesma viagem encontrei uma caixa de cartões com fotos de magnólias, comprei três.

Uma outra vez, em Londres, vi pela primeira vez na vida o florescer das cerejeiras. Não tinha nenhuma lembrança desta árvore, mas devo ter tirado umas 50 fotos das árvores na tentativa de manter comigo aquela beleza toda.

Com os livros é o mesmo. Na biblioteca pública de Boston fui procurar no acervo, Jorge Amado, na Poets House em NY achei Canção do Exílio traduzido para inglês. E nestas vezes como em outras me aquietei, estava em casa.

E sempre lembro de Borges: "Eu semprei imaginei o Paraíso como uma espécie de biblioteca".

Eu adicionaria: no meio de um jardim.

Hoje pensando em jardins e livros lembrei de um um recorte de jornal – New York Times.

Fui no Sótão e lá estava dentro da pasta azul.





WINDOWS ON THE WORLD

Maria Kodama and Matteo Pericoli
Mr. Borges’s Garden

Matteo Pericoli’s drawing of the view from Jorge Luis Borges home in Buenos Aires.
A certain house in the Buenos Aires neighbourhood of Recoleta has a window that is doubly privileged. It overlooks a courtyard garden of the kind known here as a pulmón de manzana – literally, the lung of a block – which affords it a view of the sky and an expanse of plants, trees and vines that meander along the walls of neighbouring houses, marking the passage of the seasons with their colours. In addition, the window shelters the library of my late husband, Jorge Luis Borges. It is a real Library of Babel, full of old books, their endpapers scribbled with notes in his tiny hand.
As afternoon progresses and I look up from my work to gaze out of this window, I may be invaded by springtime, or if it's summer, by the perfume of jasmine or the scent of orange blossom, mingled with the aroma of leather and book paper, which brought Borges such pleasure.
The window has one more surprise. From it, I can see the garden of the house where he once lived and where he wrote one of his best-known short stories, "The Circular Ruins''. Here, I can move back and forth between two worlds. Sometimes, following Borges, I wonder which one is real: the world I see from the window, bathed in afternoon splendour or sunset's soft glow, with the house that once belonged to him in the distance, or the world of the Library of Babel, with its shelves full of books once touched by his hands?


Este texto foi publicado no New York Times em 02/02/2011.

Desde de 1 de agosto Matteo Pericoli publica, uma vez por mês, textos e desenhos de vistas de janelas de escritores espalhados pelo mundo com o título de “Janelas para o Mundo”. Os desenhos são acompanhados por descrições do “dono” da vista.



Matteo é um ilustrador italiano conhecido pelo seu livro “Manhattan Unfurled” com desenhos de todo o horizonte de prédios de Nova York.

Seu segundo projeto, o livro “The City Out My Window: 63 Views on New York", ele desenhou a vista da janela de alguns moradores famosos de NY.

Neste projeto do NYT já foram visitados: Orhan Pamuk em Istanbul, Daniel Kehlmann em Berlin, Andrea Levy em Londres, Ryu Murakami em Tóquio, Chimamanda Ngozi Adichie em Lagos, Maria Kodama e Jorge Luis Borges's em Buenos Aires e Rana Dasgupta em Delhi.

Segue abaixo numa tradução livre o texto. Que me desculpem os tradutores, é só uma tentativa de fazer o texto chegar a quem não fala inglês.

Uma certa casa no bairro da Recoleta em Buenos Aires possui uma janela que é duplamente privilegiada. Ela abre-se para um jardim conhecido aqui como pulmão de manzanas – literalmente um pulmão verde – que lhe permite ver o céu e uma grande quantidade de plantas, árvores, e vinhas que serpenteiam os muros das casa vizinhas e marcam com suas cores a passagem das estações. Além disto, a janela abriga a biblioteca de meu falecido marido Jorge Luis Borges.

É a verdadeira Biblioteca de Babel, cheia de livros antigos, seus últimos papéis com notas rabiscadas pela sua pequena mão.

À medida que a tarde cai, eu descanso os olhos do meu trabalho para apreciar esta janela, e posso ser invadida pela primavera, ou se é verão pelo cheiro do jasmim ou o perfume das laranjeiras, misturados ao aroma do couro e do papel dos livros que davam tanto prazer a Borges.

A janela tem uma surpresa a mais. Dela, posso ver o jardim da casa onde Borges viveu e escreveu um dos seus mais conhecidos contos: “Las Ruinas Circulares”. Aqui eu posso ir e vir entre dois mundos. Algumas vezes, segundo o próprio Borges, me pergunto qual dos dois é real: o mundo que vejo da janela, banhado pelo esplendor da tarde ou pelo brilho delicado do por – do – sol, com a casa que lhe pertenceu à distância, ou o mundo da Biblioteca de Babel, com suas prateleiras cheias de livro que um dia suas mãos tocaram?

Vale a pena ir ao site de Matteo e conhecer seu trabalho.

O que a sua janela mostra e o que ela abriga?




A minha janela atual se abre pra tantas possibilidades quanto o número de outras janelas que vejo, e abriga meu trabalho de toda a vida: família.























sábado, 5 de março de 2011

3900 amigos

Percebi que este Sótão e Porão tinha recebido 3900 visitantes.


Como chegaram aqui? Não sei.
Um lugar para guardar coisas para encontrar ou se livrar de outras é assim mesmo. Recebe visitas inesperadas, mas nem tantas assim.

Sinal de que encontram o que querem.


A porta aberta é convite, a flor aberta é convite, e amizade não é convite é privilégio.





Para agradecer a tantos visitantes procurei uma poesia para os que já conhecem e para aqueles que por acaso entrarem aqui sem saber muito bem do que se trata.


Muito obrigado, é muito bom termos uns aos outros.





Beijos das Traças e dos Cupins





Com vocês, Vinícius de Moraes





Soneto do amigo


Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.


É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.


Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.


O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

A traição da Bainha das Calças

Fevereiro foi embora e no meio de tanta coisa quase ia esquecendo de contar a história da Suzy, que já nos brindou com uma história deliciosa de um vestidinho xadrez.










O carnaval, em março, está começando, e é bom pensar em como vai acabar.

Carnaval é uma época que nos permitimos tudo, ou melhor, há anos atrás onde nada era permitido o carnaval nos dava uma folga para viver as fantasias (por favor, com trocadilho) que desejássemos.

Quer ser cigana? Quer ser bailarina, pirata, mau-caráter, se travestir de mulher, usar a saia mais curta? Fique à vontade, é carnaval, ninguém está olhando. Todo mundo está como você, preocupado em ser outra coisa, pelo menos por alguns dias.

Suzy começa sua história assim:

Às vezes não são nossos vestidos que nos causam uma alegria ou tristeza.

Aquele que não ficou bem ajustado nos deixa inquieta, e nos compromete deixando-nos insegura.











Mas a bainha de uma calça?

Pode uma bainha também trazer preocupação ou encrenca?




Imagina só o que achei numa folha de papel cheia de pó, caída atrás da prateleira lá do sótão.

- Suzy, posso escrever que tinha também uns confetinhos e umas serpentinas desbotados?

Confete e serpentina, um não vive sem o outro e o carnaval não vive sem eles.

Dois irmãos nascidos com diferença de 1 ano.

Apesar do confete vir de “confetti” ou confeitos de açúcar que as pessoas jogavam umas sobre as outras em Roma nos corsos pelas ruas da cidade, eles apareceram pela primeira vez feitos de papel em Paris em 1892.

A serpentina por sua vez foi inventada 1 ano depois por um funcionário dos telégrafos que utilizou tiras de papel já utilizado e que iriam para o lixo.

Mas a história da Suzy é muito mais interessante:



A TRAIÇÃO DA BAINHA DAS CALÇAS



As roupas da excursão de barco foram afundando na água ao mesmo tempo em que os confetes foram colorindo o tanque.






- Confetes? Como?


Não fora aquele passeio pela Lagoa dos Patos organizado para fugir do carnaval, buscar sossego e tranqüilidade?


E agora... Confetes?


Aqueles velejadores não queriam fugir do carnaval?


Dali há uns 40 dias o tempo começaria a mudar e os passeios de barco teriam que ser suspensos até a primavera, então aproveitar esta semana para um longo passeio seria perfeito. Sim, e o mais importante: ninguém gostava de carnaval.


Mas, um momento... Sim, eram confetes, bem coloridos, não havia dúvidas.



Os bolsos das calças, amigos fiéis, tinham sido devidamente examinados, pelo dono das mesmas, mas a bainha, mulher de língua comprida, tinha sido traiçoeira.




Carnaval, ou melhor o tempo depois do carnaval, sempre requer explicação, mesmo quando se foge dele.


- Bem... sim...não...
É que no caminho do restaurante havia um bloco de carnaval e nos atiraram confetes...
Sim foi só isso mesmo... deve ter sido neste instante.




Muitas explicações tiveram que ser dadas.



E como toda a explicação, por mais que fosse sincera, havia sempre uma vírgula que deixava espaço para uma dúvida a mais. Uma hesitação, ou incongruência no contar e mais um confete pulava da calça.


A noticia se espalhou aos quatro cantos do Yacht Clube da cidade que se orgulhava de ter um carnaval que durava 1 semana - igual, só na Bahia.


No ano seguinte, já avisados do acontecido, outros tantos velejadores foram procurar “sossego” na Lagoa dos Patos, no sul do Brasil.





Içaram suas velas, e com suas bússolas apontando para latitude 31º21'55" sul e longitude 51º58'42" oeste rumaram para São Lourenço do Sul.





Tantos barcos entrando pelo estreito canal causaram um alvoroço na cidadezinha. Alvoroço igual somente com Garibaldi e Anita, afinal era carnaval, e se os próprios aparecessem ninguém iria estranhar.





À beira da Lagoa, entre figueiras, plátanos e coqueiros, improvisaram um ancoradouro seguro para passarem aqueles dias.





Depois de bem instalados e com muita fome, era a hora de procurar um restaurante, mas não servia qualquer um. Tinha que ser aquele, que ficava no caminho dos blocos, do carnaval de rua, que já começava a esquentar.



Pois bem, o refúgio calmo ficou para os barcos, pois se descobriu que os velejadores "fugiam" de um carnaval para entrar em outro.


Os mais jovens, sem precisar dar muitas explicações, rapidamente acharam o baile, e como convidados especiais, sem fantasia e sem máscaras, se esbaldaram até a Estrela D’Alva aparecer.



Mas, eram velejadores e não foliões, então, ao retornar ao barco trataram de retirar os confetes dos cabelos, bolsos, e não deixar vestígios, mas as caras e as pernas traíam o cansaço.



Esta fuga do carnaval para encontrar outro carnaval fez surgir o Encontro da Vela em São Lourenço do Sul, evento que entrou para o calendário náutico e que se repete todos os anos.


Além dos confetes, serpentinas, e velas içadas, o vento, que sopra constantemente na Lagoa, traz o aroma das baforadas do cachimbo do comandante desavisado João Hugo que esqueceu confetes na bainha das calças.




Suzy, obrigada pela foto correta.

Nas letrinhas miúdas à esquerda da foto está escrito: Velejar é passar uma esponja nas preocupações. J. H. Altmayer.

O comandante sabia das coisas...