sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Feliz 2011


E eis que chega ao fim 2010.


Bom? Ruim? Indiferente?

Cada um sabe como foi atravessar os 365 dias deste ano e agora vai poder escolher onde guardá-lo: no Sótão ou no Porão?



Há algo em comum entre estes dois lugares: o silêncio.

O silêncio que permite a conversa interior, o devaneio, o voltar no tempo a um som conhecido que só existe dentro de nós: aquela gargalhada, os passos atrás da porta, a chaleira chiando no fogão, a chuva - chuvisco ou tempestade -, aqueles que só nós reconhecemos.

Este Sótão e este Porão já receberam mais de 3000 visitas, a maioria feita em silêncio, talvez na madrugada, no intervalo de descanso do trabalho, depois que as crianças foram para cama, não sei... e é bom não saber!

Por isto neste dia 31, o último de 2010, e sempre tão barulhento: fogos, gritos, risadas, conversas em voz alta, música; desejo a todos que passam por aqui de vez em quando SILÊNCIO EM 2011.
Silêncio produtivo, silêncio criador, silêncio emocionado, silêncio interior.

O primeiro texto deste blog, publicado no dia 3 de agosto às 10:36, foi um texto de Proust que usei para traduzir o espírito da brincadeira.

Para o último texto de 2010 escolhi uma poesia de Saramago – do livro Provavelmente Alegria (Editorial Caminho, Lisboa, 1985) porque:


- é poesia
- é prêmio Nobel
- é Língua Portuguesa
- é silencioso
- é Saramago






É TÃO FUNDO O SILÊNCIO

É tão fundo o silêncio entre as estrelas.
Nem o som da palavra se propaga,
Nem o canto das aves milagrosas.
Mas, lá, entre as estrelas, onde somos
Um astro recriado, é que se ouve
O íntimo rumor que abre as rosas.

Este é meu desejo para 2011 – ouvir o silêncio das estrelas e do abrir das rosas.


Feliz 2011!

sábado, 25 de dezembro de 2010

25 de dezembro

Valeu a pena esperar!

Feliz Natal para todos!




Feliz Aniversário Menino Jesus, o mundo fica melhor com você!
Cuida de nós, tá?




sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

24 de dezembro

Estamos à espera....




23 de dezembro

Poesia sempre poesia.


Vinícius de Moraes e seu Poema de Natal





Para isso fomos feitos:

Para lembrar e ser lembrados

Para chorar e fazer chorar

Para enterrar os nossos mortos —

Por isso temos braços longos para os adeuses

Mãos para colher o que foi dado

Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:Uma tarde sempre a esquecer

Uma estrela a se apagar na treva

Um caminho entre dois túmulos —

Por isso precisamos velar

Falar baixo, pisar leve, ver

A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:

Uma canção sobre um berço

Um verso, talvez de amor

Uma prece por quem se vai —

Mas que essa hora não esqueça

E por ela os nossos corações

Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:

Para a esperança no milagre

Para a participação da poesia

Para ver a face da morte —

De repente nunca mais esperaremos...

Hoje a noite é jovem; da morte, apenas

Nascemos, imensamente.

22 de dezembro

Recebo um e-mail de uma prima muito querida.

Se fosse há alguns anos atrás, no tempo que éramos adolescentes e colecionávamos papel de carta, teria vindo em um papel lindo de Natal, escrito com uma letra miúda e bem caprichada.


A modernidade nos faz perder algumas coisas mas nos dá outras, hoje posso dividir esta crônica deliciosa com vocês, que chegou para mim, mas que vocês com certeza vão dar boas risadas.


Feliz Natal Stella e turma e muito obrigada pela crônica



Algo a declarar.

Começa no final de outubro e acaba lá pelo começo de março. Leva você a estar com pessoas que você se esforça em evitar durante todo o ano, ... aqueles que vão arrasar sua poupança, que farão você engordar, e, ou, ser o feliz ganhador de uma coleção de objetos para os quais você não acha nenhum uso pra eles.


É Natal!!!!


Sim, as festas estão chegando – aquela época do ano quando você retorna a casa para desfrutar da companhia daqueles que ama ou, se você não for um afortunado de ter a quem visitar, passa com seus familiares. No mundo inteirinho, os aeroportos estão fervilhando com gente cujas malas estão abarrotadas de presentinhos. No hemisfério norte, todos esperam por um “Natal Branco” (White Christmas), uma alusão direta a neve que cai nesta época do ano e que atrasa todos os vôos, isso quando não os cancela. Imortalizada na voz de Frank Sinatra esta canção tem data e hora para começar a mexer com o coração e a mente de todos que a conhecem, ...


É Natal!!!


Tudo leva mais tempo nos aeroporto por aqui na época do natal. Há mais passageiros – e mais malas, muuuuuuitas mais malas para despachar, mais casacos para tirar ao passar pela segurança e claro, mais compras pra fazer. As lojas do “duty-free”, normalmente lugares para vocês se entreter olhando todas aquelas fantásticas e coloridas embalagens de perfumes, bebidas exóticas, eletrônicos modernézimos, biscoitos amanteigados, chocolates finos, “chiques desnecessidades”, antes de embarcar, transformam-se em lugares frenéticos de compras. De alguma forma, quando você pensa que já deu conta de sua lista de presentes para os familiares, alguma reação química acontece quando você chega ao “Tax Free”, e aí você entra em pânico e compra amanteigados, CDs de musica natalina, meias tricotadas com cabeças de renas e papais noeis gordos e encurvados pelos saco de presente, ...


É Natal!!!


Não me leve a mal, eu gosto do Natal. Se eu não estivesse aqui escrevendo eu adoraria ser um representando influente da Comunidade Européia. E se assim fosse eu proporia uma radicalização nas datas: porque não alongar esta festividade que acontece no mundo cristão?
Parece óbvio pra mim, levando em conta que todos nós celebramos o natal em dezembro, que teremos sempre que aturar aeroportos lotados e longas filas de “check-in”. Porém, se o fizéssemos um de cada vez, os Espanhóis o celebrariam em fevereiro, os Alemães em março, os Belgas ficariam com o mês de abril, os Portugueses em maio, os Italianos com junho, etc, e assim, voilá – não mais filas intermináveis. Tudo bem que alguns ficariam prejudicados com estas novas e revolucionárias medidas. Os pitorescos ringues de patinação em Praga estariam descongelados no mês de agosto, mas pense positivo! Poderíamos celebrar o Natal 12 vezes ao ano, ... seria sempre Natal!!!!


Claro que isso nunca vai acontecer. O sindicato das renas é muito forte e de maneira alguma abriria mão de suas férias de 11 meses ao ano. E nem pense em se meter com aqueles que alugam patins nos ringues de patinação no leste europeu. Assim sendo acho que todos nós vamos ter que agüentar mais um final de ano com aeroportos lotados, “over booking”, e filas que fazem curva não se sabe bem aonde. Porém à medida que você abrir caminho, com sua mala de presentinhos até o controle de segurança, lembre-se de respirar fundo enquanto espera e desfrute desses momentos para pensar em todos que fizeram alguma diferença em sua vida neste ano de 2010 que começa a acabar.


Eu pensei em Vocês, Martinha.


Bjks natalinas, com muita neve lá fora, vôos cancelados e energias renovadas para nos encontrarmos em 2011.

21 de dezembro


Dia de alegria
Feliz Aniversário Sérgio para você sua música preferida

A cigana leu o meu destino
Eu sonhei!
Bola de cristal
Jogo de búzios, cartomante
E eu sempre perguntei
O que será o amanhã?
Como vai ser o meu destino?
Já desfolhei o mal-me-quer
Primeiro amor de um menino...

E vai chegando o amanhecer
Leio a mensagem zodiacal
E o realejo diz
Que eu serei feliz
Sempre feliz...

Como será amanhã?
Responda quem puder
O que irá me acontecer?
O meu destino será
Como Deus quiser
Como será?...

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

20 de dezembro


E a história acaba, mas não o sonho


A estrela


Quando se viu sozinha no meio da rua teve vontade de voltar para trás. As árvores pareciam enormes e os seus ramos sem folhas enchiam o céu de desenhos iguais a pássaros fantásticos. E a rua parecia viva. Estava tudo deserto. Àquela hora não passava ninguém. Estava toda a gente na Missa do Galo. As casas, dentro dos seus jardins, tinham as portas e as janelas fechadas. Não se viam pessoas, só se viam coisas. Mas Joana tinha a impressão de que as coisas a olhavam e a ouviam como pessoas.
«Tenho medo», pensou ela.
Mas resolveu caminhar para a frente sem olhar para nada.
Quando chegou ao fim da rua virou à direita e meteu a um atalho entre dois muros. E no fim do atalho encontrou os campos, planos e desertos. Ali, sem muros nem árvores nem casas, a noite via-se melhor. Uma noite altíssima e redonda e toda brilhante.
O silêncio era tão forte que parecia cantar. Muito ao longe via-se a massa escura dos pinhais.
«Será possível que eu chegue até lá?», pensou Joana.
Mas continuou a caminhar.
Os seus pés enterravam-se nas ervas geladas. Ali no descampado soprava um curto vento de neve que lhe cortava a cara como uma faca.
«Tenho frio», pensou Joana.
Mas continuou a caminhar.
À medida que se ia aproximando dele, o pinhal ia-se tornando maior. Até que ficou enorme.
Joana parou um instante no meio dos campos.
«Para que lado ficará a cabana?», pensou ela.
E olhava em todas as direcções à procura de um rasto.
Mas à sua direita não havia rasto, à sua esquerda não havia rasto e à sua frente não havia rasto.
«Como é que hei-de encontrar o caminho?», perguntava ela.
E levantou a cabeça.
Então viu que no céu, lentamente, uma estrela cami¬nhava.
«Esta estrela parece um amigo», pensou ela.
E começou a seguir a estrela.
Até que penetrou no pinhal. Então num instante as sombras fizeram uma roda à sua volta. Eram enormes, verdes, roxas, pretas e azuis, e dançavam com grandes gestos. E a brisa passava entre as agulhas dos pinheiros, que pareciam murmurar frases incompreensíveis. E vendo-se assim rodeada de vozes e de sombras Joana teve medo e quis fugir. Mas viu que no céu, muito alto, para além de todas as sombras, a estrela continuava a caminhar. E seguiu a estrela.
Já no meio do pinhal pareceu-lhe ouvir passos.
«Será um lobo?», pensou.
Parou a escutar. O barulho dos passos aproximava-se. Até que viu surgir entre os pinheiros um vulto muito alto que vinha caminhando ao seu encontro.
«Será um ladrão?», pensou.
Mas o vulto parou na sua frente e ela viu que era um rei. Tinha na cabeça uma coroa de oiro e dos seus ombros caía um longo manto azul todo bordado de diamantes.
— Boa noite — disse Joana.
— Boa noite — disse o rei. — Como te chamas?
— Eu, Joana — disse ela.
— Eu chamo-me Melchior — disse o rei. E perguntou:
— Onde vais sozinha a esta hora da noite?
— Vou com a estrela — disse ela.
— Também eu — disse o rei —, também eu vou com a estrela.
E juntos seguiram através do pinhal.
E de novo Joana ouviu passos. E um vulto surgiu entre as sombras da noite.
Tinha na cabeça uma coroa de brilhantes e dos seus ombros caía um grande manto vermelho coberto de muitas esmeraldas e safiras.
— Boa noite — disse ela. — Chamo-me Joana e vou com a estrela.
— Também eu — disse o rei — também eu vou com a estrela e o meu nome é Gaspar.
E seguiram juntos através dos pinhais. E mais uma vez Joana ouviu um barulho de passos e um terceiro vulto surgiu entre as sombras azuis e os pinheiros escuros.
Tinha na cabeça um turbante branco e dos seus ombros caía um longo manto verde bordado de pérolas. A sua cara era preta.
— Boa noite — disse ela. — O meu nome é Joana. E vamos com a estrela.
— Também eu — disse o rei — caminho com a estrela e o meu nome é Baltasar.
E juntos seguiram os quatro através da noite.
No chão, os galhos secos estalavam sob os passos, a brisa murmurava entre as árvores e os grandes mantos bordados dos três reis do Oriente brilhavam entre as sombras verdes, roxas e azuis.
Já quase no fundo dos pinhais viram ao longe uma claridade. E sobre essa claridade a estrela parou.
E continuaram a caminhar.
Até que chegaram ao lugar onde a estrela tinha parado e Joana viu um casebre sem porta. Mas não viu escuridão, nem sombra, nem tristeza. Pois o casebre estava cheio de claridade, porque o brilho dos anjos o iluminava.
E Joana viu o seu amigo Manuel. Estava deitado nas palhas entre a vaca e o burro e dormia sorrindo.
Em sua roda, ajoelhados no ar, estavam os anjos. O seu corpo não tinha nenhum peso e era feito de luz sem nenhuma sombra.
E com as mãos postas os anjos rezavam ajoelhados no ar.
Era assim, à luz dos anjos, o Natal de Manuel.
— Ah — disse Joana — aqui é como no presépio!
— Sim — disse o rei Baltasar — aqui é como no presépio.
Então Joana ajoelhou-se e poisou no chão os seus presentes.

19 de dezembro



Uma história de Natal publicada em dois dias.


A autora é a escritora e poetisa portuguesa Sophia de Mello Andressen


É poesia em prosa e também vai aos poucos para esperar o presente final





A NOITE DE NATAL




O AMIGO



Era uma vez uma casa pintada de amarelo com um jardim à volta.
No jardim havia tílias, bétulas, um cedro muito antigo, uma cerejeira e dois plátanos. Era debaixo do cedro que Joana brincava. Com musgo e ervas e paus fazia muitas casas pequenas encostadas ao grande tronco escuro. Depois imaginava os anõezinhos que, se existissem, poderiam morar naquelas casas. E fazia uma casa maior e mais complicada para o rei dos anões.
Joana não tinha irmãos e brincava sozinha. Mas de vez em quando vinham brincar os dois primos ou outros meninos. E, às vezes, ela ia a uma festa. Mas esses meninos a casa de quem ela ia e que vinham a sua casa não eram realmente amigos: eram visitas. Faziam troça das suas casas de musgo e maçavam-se imenso no seu jardim.
E Joana tinha muita pena de não saber brincar com os outros meninos. Só sabia estar sozinha.
Mas um dia encontrou um amigo. Foi numa manhã de Outubro.
Joana estava encarrapitada no muro. E passou pela rua um garoto. Estava todo vestido de remendos e os seus olhos brilhavam como duas estrelas. Caminhava devagar pela beira do passeio sorrindo às folhas do Outono. O coração de Joana deu um pulo na garganta.
— Ah! — disse ela. E pensou:
«Parece um amigo. E exactamente igual a um amigo.» E do alto do muro chamou-o:
— Bom dia!
O garoto voltou a cabeça, sorriu e respondeu:
— Bom dia!
Ficaram os dois um momento calados.
Depois Joana perguntou:
— Como é que te chamas?
— Manuel — respondeu o garoto.
— Eu chamo-me Joana.
E de novo entre os dois, leve e aéreo, passou um silêncio. Ouviu-se tocar ao longe o sino de uma quinta. Até que o garoto disse:
— O teu jardim é muito bonito.
— É, vem ver.
Joana desceu do muro e foi abrir o portão.
E foram os dois pelo jardim fora. O rapazinho olhava uma por uma cada coisa. Joana mostrou-lhe o tanque e os peixes vermelhos. Mostrou-lhe o pomar, as laranjeiras e a horta. E chamou os cães para ele os conhecer. E mostrou-lhe a casa da lenha onde dormia um gato. E mostrou-lhe todas as árvores e as relvas e as flores.
— É lindo, é lindo — dizia o rapazinho gravemente.
— Aqui — disse Joana — é o cedro. É aqui que eu brinco.
E sentaram-se sob a sombra redonda do cedro.
A luz da manhã rodeava o jardim: tudo estava cheio de paz e de frescura. Às vezes do alto de uma tília caía uma folha amarela que dava voltas no ar.
Joana foi buscar pedras, paus e musgo e começaram os dois a construir a casa do rei dos anões.
Brincaram assim durante muito tempo.
Até que ao longe apitou uma fábrica.
— Meio-dia — disse o garoto — tenho de me ir embora.
— Onde é que tu moras?
— Além nos pinhais.
— É lá a tua casa?
— É, mas não é bem uma casa.
— Então?
— O meu pai está no céu. Por isso somos muito pobres. A minha mãe trabalha todo o dia mas não temos dinheiro para ter uma casa.
— Mas à noite onde é que dormes?
— O dono dos pinhais tem uma cabana onde de noite dormem uma vaca e um burro. E por esmola dá-me licença de dormir ali também.
— E onde é que brincas?
— Brinco em toda a parte. Dantes morávamos no centro da cidade e eu brincava no passeio e nas valetas. Brincava com latas vazias, com jornais velhos, com trapos e com pedras. Agora brinco no pinhal e na estrada. Brinco com as ervas, com os animais e com as flores. Pode-se brincar em toda a parte.
— Mas eu não posso sair deste jardim. Volta amanhã para brincar comigo.
E daí em diante todas as manhãs o rapazinho passava pela rua. Joana esperava-o empoleirada em cima do muro.
Abria-lhe a porta e iam os dois sentar-se sob a sombra redonda do cedro.
E foi assim que Joana encontrou um amigo.
Era um amigo maravilhoso. As flores voltavam as suas corolas quando ele passava, a luz era mais brilhante em seu redor e os pássaros vinham comer na palma das suas mãos as migalhas de pão que Joana ia buscar à cozinha.


A FESTA





Passaram muitos dias, passaram muitas semanas até que chegou o Natal.
E no dia de Natal Joana pôs o seu vestido de veludo azul, os seus sapatos de verniz preto e muito bem penteada às sete e meia saiu do quarto e desceu a escada.
Quando chegou ao andar de baixo ouviu vozes na sala grande; eram as pessoas crescidas que estavam lá dentro. Mas Joana sabia que tinham fechado a porta para ela não entrar. Por isso foi à casa de jantar ver se já lá estavam os copos.
Os copos passavam a sua vida fechados dentro de um grande armário de madeira escura que estava no meio do corredor. Esse armário tinha duas portas que nunca se abriam completamente e uma grande chave. Lá dentro havia sombras e brilhos. Era como o interior de uma caverna cheia de maravilhas, e segredos. Estavam lá fechadas muitas coisas, coisas que não eram precisas para a vida de todos os dias, coisas brilhantes e um pouco encantadas: loiças, frascos, caixas, cristais e pássaros de vidro. Até havia um prato com três maçãs de cera e uma menina de prata que era uma campainha. E também um grande ovo de Páscoa feito de loiça encarnada com flores doiradas.
Joana nunca tinha visto bem até ao fundo do armário. Não tinha licença de o abrir. Só conseguia que a criada às vezes a deixasse espreitar entre as duas portas.
Nos dias de festa, do fundo das sombras do interior do armário saíam os copos. Saíam claros, transparentes e brilhantes tilintando no tabuleiro. E para Joana aquele barulho de cristal a tilintar era a música das festas.
Joana deu uma volta à roda da mesa. Os copos já lá estavam, tão frios e luminosos que mais pareciam vindos do interior de uma fonte de montanha do que do fundo de um armário. As velas estavam acesas e a sua luz atravessava o cristal. Em cima da mesa havia coisas maravilhosas e extraordinárias: bolas de vidro, pinhas douradas e aquela planta que tem folhas com picos e bolas encarnadas. Era uma festa. Era o Natal.
Então Joana foi ao jardim. Porque ela sabia que nas Noites de Natal as estrelas são diferentes.
Abriu a porta e desceu a escada da varanda. Estava muito frio, mas o próprio frio brilhava. As folhas das tílias, das bétulas e das cerejeiras tinham caído. Os ramos nus desenhavam-se no ar como rendas pretas. Só o cedro tinha os seus ramos cobertos.
E muito alto, por cima das árvores, era a escuridão enorme e redonda do céu. E nessa escuridão as estrelas cintilavam, mais claras do que tudo. Cá em baixo era uma festa e por isso havia muitas coisas brilhantes: velas acesas, bolas de vidro, copos de cristal. Mas no céu havia uma festa maior, com milhões e milhões de estrelas.
Joana ficou algum tempo com a cabeça levantada. Não pensava em nada. Olhava a imensa felicidade da noite no alto céu escuro e luminoso, sem nenhuma sombra.
Depois voltou para casa e fechou a porta. — Ainda falta muito tempo para o jantar? — perguntou ela a uma criada que ia a atravessar o corredor.
— Ainda falta um bocadinho, menina — disse a criada. Então Joana foi à cozinha ver a cozinheira
Gertrudes, que era uma pessoa extraordinária porque mexia nas coisas quentes sem se queimar e nas facas mais aguçadas sem se cortar, e mandava em tudo, e sabia tudo. Joana achava-a a pessoa mais importante que ela conhecia.
A Gertrudes tinha aberto o forno e estava debruçada sobre os dois perus do Natal. Virava-os e regava-os com molho. A pele dos perus, muito esticada sobre o peito recheado, já estava toda doirada.
— Gertrudes, ouve uma coisa — disse Joana.
A Gertrudes levantou a cabeça e parecia tão assada como os perus.
— O que é? — perguntou ela.
— Que presentes é que achas que eu vou ter?
— Não sei — disse Gertrudes — não posso adivinhar.
Mas Joana tinha a maior confiança na sabedoria de Gertrudes e por isso continuou a fazer perguntas.
— E achas que o meu amigo vai ter muitos presentes?
— Qual amigo? — disse a cozinheira.
— O Manuel.
— O Manuel não. Não vai ter presentes nenhuns.
— Não vai ter presentes nenhuns!?
— Não — disse a Gertrudes abanando a cabeça.
— Mas porquê, Gertrudes?
— Porque é pobre. Os pobres não têm presentes.
— Isso não pode ser, Gertrudes.
— Mas é assim mesmo — disse a Gertrudes fechando a tampa do forno.
Joana ficou parada no meio da cozinha. Tinha compreendido que era «assim mesmo».
Porque ela sabia que a Gertrudes conhecia o mundo. Todas as manhãs a ouvia discutir com o homem do talho, com a peixeira e com a mulher da fruta. E ninguém a podia enganar. Porque ela era cozinheira há trinta anos. E há trinta anos que ela se levantava às sete da manhã e trabalhava até às onze da noite. E sabia tudo o que se passava na vizinhança e tudo o que se passava dentro das casas de toda a gente. E sabia todas as notícias, e todas as histórias das pessoas. E conhecia todas as receitas de cozinha, sabia fazer todos os bolos e conhecia todas as espécies de carnes, de peixes, de frutas e de legumes. Ela nunca se enganava. Conhecia bem o mundo, as coisas e os homens.
Mas o que a Gertrudes tinha dito era esquisito como uma mentira. Joana ficou calada a cismar no meio da cozinha.
De repente abriu-se a porta e apareceu uma criada que disse:
— Já chegaram os primos.
Então Joana foi ter com os primos.
Daí a uns minutos apareceram as pessoas grandes e foram todos para a mesa.
Tinha começado a festa do Natal.
Havia no ar um cheiro de canela e de pinheiro. Em cima da mesa tudo brilhava: as velas, as facas, os copos, as bolas de vidro, as pinhas doiradas. E as pessoas riam e diziam umas às outras: «Bom Natal». Os copos tilintavam com um barulho de alegria e de festa. E vendo tudo isto Joana pensava:
— Com certeza que a Gertrudes se enganou. O Natal é uma festa para toda a gente. Amanhã o Manuel vai-me contar tudo. Com certeza que ele também tem presentes.
E consolada com esta esperança Joana voltou a ficar quase tão alegre como antes.
O jantar do Natal era igual ao de todos os anos.
Primeiro veio a canja, depois o bacalhau assado, depois os perus, depois os pudins de ovos, depois as rabanadas, depois os ananases.
No fim do jantar levantaram-se todos, abriu-se de par em par a porta e entraram na sala.
As luzes eléctricas estavam apagadas. Só ardiam as velas do pinheiro.
Joana tinha nove anos e já tinha visto nove vezes a árvore do Natal. Mas era sempre como se fosse a primeira vez. Da árvore nascia um brilhar maravilhoso que pousava sobre todas as coisas. Era como se o brilho de uma estrela se tivesse aproximado da Terra. Era o Natal. E por isso uma árvore se cobria de luzes e os seus ramos se carregavam de extraordinários frutos em memória da alegria que, numa noite muito antiga, se tinha espalhado sobre a Terra.
E no presépio as figuras de barro, o Menino, a Virgem, São José, a vaca e o burro, pareciam continuar uma doce conversa que jamais tinha sido interrompida. Era uma conversa que se via e não se ouvia.
Joana olhava, olhava, olhava.
Às vezes lembrava-se do seu amigo Manuel.
Um dos primos puxou-a por um braço.
— Joana, ali estão os teus presentes.
Joana abriu um por um os embrulhos e as caixas: a boneca, a bola, os livros cheios de desenhos a cores, a caixa de tintas.
À sua volta todos riam e conversavam.
Todos mostravam uns aos outros os presentes que tinham tido, falando ao mesmo tempo.
E Joana pensava:
— Talvez o Manuel tenha tido um automóvel.
E a festa do Natal continuava.
As pessoas grandes sentaram-se nas cadeiras e nos sofás a conversar e as crianças sentaram-se no chão a brincar.
Até que alguém disse:
— São onze horas e meia. São quase horas da missa. E são horas de as crianças se irem deitar.
Então as pessoas começaram a sair.
O pai e a mãe de Joana também saíram.
— Boa noite, minha querida. Bom Natal — disseram eles.
E a porta fechou-se.
Daí a um instante saíram as criadas.
A casa ficou muito silenciosa. Tinham ido todos para a Missa do Galo, menos a velha Gertrudes, que estava na cozinha a arrumar as panelas.
E Joana foi à cozinha. Era a altura boa para falar com a Gertrudes.
— Bom Natal, Gertrudes — disse Joana.
— Bom Natal — respondeu a Gertrudes. Joana calou-se um momento. Depois perguntou:
— Gertrudes, aquilo que disseste antes do jantar é verdade?
— O que é que eu disse?
— Disseste que o Manuel não ia ter presentes de Natal porque os pobres não têm presentes.
— Está claro que é verdade. Eu não digo fantasias: não teve presentes, nem árvore do Natal, nem peru recheado, nem rabanadas. Os pobres são os pobres. Têm a pobreza.
— Mas então o Natal dele como foi?
— Foi como nos outros dias.
— E como é nos outros dias?
— Uma sopa e um bocado de pão.
— Gertrudes, isso é verdade?
— Está claro que é verdade. Mas agora era melhor que a menina se fosse deitar porque estamos quase na meia-noite.
— Boa noite — disse Joana. E saiu da cozinha.
Subiu a escada e foi para o seu quarto. Os seus presentes de Natal estavam em cima da cama. Joana olhou-os um por um. E pensava:
— Uma boneca, uma bola, uma caixa de tintas e livros. São tal e qual os presentes que eu queria. Deram-me tudo o que queria. Mas ao Manuel ninguém deu nada.
E sentada na beira da cama, ao lado dos presentes, Joana pôs-se a imaginar o frio, a escuridão e a pobreza. Pôs-se a imaginar a Noite de Natal naquela casa que não era bem uma casa, mas um curral de animais.
«Que frio lá deve estar!», pensava ela.
«Que escuro lá deve estar!», pensava ela.
«Que triste lá deve estar!», pensava.
E começou a imaginar o curral gelado e sem nenhuma luz onde Manuel dormia em cima das palhas, aquecido só pelo bafo de uma vaca e de um burro.
— Amanhã vou-lhe dar os meus presentes — disse ela. Depois suspirou e pensou:
«Amanhã não é a mesma coisa. Hoje é que é a Noite de Natal.»
Foi à janela, abriu as portadas e através dos vidros espreitou a rua. Ninguém passava. O Manuel estava a dormir. Só viria na manhã seguinte. Ao longe via-se uma grande sombra escura: era o pinhal.
Então ouviu, vindas da Torre da Igreja, fortes e claras, as doze pancadas da meia-noite.
«Hoje», pensou Joana, «tenho de ir hoje. Tenho de ir lá agora, esta noite. Para que ele tenha presentes na Noite de Natal.»
Foi ao armário tirou um casaco e vestiu-o. Depois pegou na bola, na caixa de tintas e nos livros. Apetecia-lhe levar também a boneca, mas ele era um rapaz e com certeza não gostava de bonecas.
Pé ante pé Joana desceu a escada. Os degraus estalaram um por um. Mas na cozinha a Gertrudes fazia muito barulho a arrumar as panelas e não a ouviu.
Na sala de jantar havia uma porta que dava para o jardim. Joana abriu-a e saiu, deixando-a ficar só fechada no trinco.
Depois atravessou o jardim. O Alex e a Ghiribita ladraram.
— Sou eu, sou eu — disse Joana.
E os cães, ouvindo a sua voz, calaram-se.
Então Joana abriu a porta do jardim e saiu.

18 de dezembro


War is over

If you want it

War is over

Now

War is over

If you want it

War is over

Now

17 de dezembro


And so this is Christmas

For weak and for strong

For rich and the poor ones

The road is so long

And so happy Christmas

For black and for white

For yellow and red ones

Let's stop all the fight

16 de dezembro


A very merry Christmas

And a happy New Year

Let's hope it's a good one

Without any fear

15 de dezembro

Pérolas aos poucos, como a neve que cai devagar e enche a rua de branco







So this is Christmas

And what have you done

Another year over

And a new one just begun

And so this is Christmas

I hope you have fun

The near and the dear ones

The old and the young

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

14 de dezembro



Outra frase curta hoje:

Feliz Aniversário, pai!


Nada mais, pois Dezembro não é mês leve.

13 de dezembro




Uma amiga me manda uma história para o dia de hoje, pois ela achou que faltava no calendário o pinheiro de Natal.

“A árvore de natal mais linda que meus olhos de criança viram não era a da minha casa.

As famílias assim como a terra são atravessadas por linhas imaginárias que determinam sua posição no mundo. A minha não era diferente.

Digamos que eu estivesse na porção central da família, era pobre para os ricos, e rica para os pobres. Nunca soube onde eu estava.

A árvore de Natal em questão, pertencia à parte pobre da família, mais especificamente às minhas primas que, durante o ano todo viviam uma vida dura, mas por 1 mês eram as donas da árvore que enfeitava a sala.

Sala que elas não podiam freqüentar o ano inteiro.

Natal às vezes tem destas coisas...”

Obrigada querida amiga, que me pede que não coloque seu nome, esta história pode ter vários donos.

12 de dezembro

Poetas, sempre eles...

Povoam nossa vida e sempre acertam no alvo, vejam o que Manoel de Barros escreveu:

O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
Era o mesmo que roubar um vento e sair correndo
com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito
Porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho, você vai ser poeta.
Vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens.
E algumas pessoas vão te amar por teus despropósitos.




Os cinco últimos versos poderiam ser assim:
A mãe reparava o menino com ternura:
A mãe falou: Meu filho, você vai ser o salvador
Vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas mãos.
E algumas pessoas vão te amar, outras vão te achar um despropósito.

Desculpe poeta, mas não resisti precisava de uma poesia para hoje.

sábado, 11 de dezembro de 2010

11 de dezembro

“Maria lavava
São José estendia
Menino chorava
Com o frio que fazia"








Música que minha mãe me ninava e me enchia de tristeza e angústia, era triste saber que um menino sentia frio. O sono me acalmava.

Num Natal decidi acabar com a tristeza do mundo: a minha e a do menino, que eram as que me importavam.

Olhando o menino que ficava na manjedoura, na verdade uma bandejinha de veludo vermelho com uma perna cambaia, enfeitada com uma palha artificial, não titubeei: vesti no coitado que chorava e sentia frio uma calçinha rosa com rendinhas brancas.

- Menina, o que é isto?
- Para o menino não sentir frio.

Não lembro de alguém ter contestado a calçinha, o meu mundo sorriu: meu pai, minha mãe, meu irmão.

O menino? Este sorria sempre.

10 de dezembro



Manoel de Barros não fala de Natal, mas fala de que então, quando diz:

“As coisas que não levam a nada tem grande importância”

Que motivo alguém teria para dar abrigo a um casal pobre - ele, carpinteiro, ela dona de casa, grávida já a ponto de dar ao mundo o que o mundo não queria – mais uma boca para comer; sem casa, expulsos de sua terra por força da violência.

Ainda hoje se pensa assim, não aprendemos nada.


9 de dezembro



A viagem de Maria e José




Descubro em Mia Couto, poeta e escritor de Moçambique, a frase que precisava para a viagem:

“A pessoa viaja é para ser esperado, do outro lado a mão de gente que é nossa, com nome e história. Como um laço que pede as duas pontas.”

José e Maria já sabiam da história que traziam, queriam contá-la, mas naquele momento homens ocupados com seus medos não podiam ouvi-los, preferiam repetir suas pobres histórias.


Nota: a imagem de Ramon Faria é de poucos traços, simples como as grandes artes.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

8 de dezembro

Dia de Nossa Senhora da Conceição.




Abro esta janela como se abrisse a minha alma.

Uma frase muito curta:

Feliz Aniversário Mãe!

Mais do que isto hoje não dá.

7 de dezembro

“Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel


E somos, mas adultos exigem que se expliquem os presentes.

Os pequenos, ao contrário, se não encontram uma explicação para o que ganham fazem uma bola com o papel e se põem a jogar, criam a explicação.

6 de dezembro



Noite estrelada e fria como aquela que o Menino iluminou.

No momento de maior escuridão da noite a madrugada levanta o negro véu e a primeira luz se insinua. No momento de maior brilho da lua, Apolo encilha seus cavalos.

No momento de maior desesperança algo nos toca no ombro, olhamos para cima e percebemos que tudo, tudo mesmo cumpre um ciclo nesta vida.

5 de dezembro

Hoje o dia é de José.

Mais uma vez vou à Clarice:

A HUMILDADE DE SÃO JOSÉ
São José é o símbolo da humildade. Ele sabia que não era o pai da Criança e cuidava da virgem grávida como se ele a tivesse germinado.
São José é a bondade humana. É o auto-pagamento no grande momento histórico. Ele é o que vela pela humanidade.

É bom dormir sabendo que alguém vela...


4 de dezembro



Hoje vamos de Clarice Lispector,
Em “A descoberta do mundo” no dia 21 de dezembro de 1968 ela escreve:

A VIRGEM EM TODAS AS MULHERES
Toda mulher, ao saber que está grávida, leva a mão à garganta: ela sabe que dará à luz um ser que seguirá forçosamente o caminho de Cristo, caindo na sua via muitas vezes sob o peso da cruz. Não há como escapar.

Clarice tem destas coisas, ela diz, não manda recados.

Marias e Josés que somos, sabemos disto também, mas mesmo assim temos nossos meninos e meninas e nos maravilhamos a cada um que chega.

3 de dezembro

Manoel de Barros, poeta brasileiro, me dá de presente esta frase do prefácio da sua Antologia e não era sobre o Natal que ele falava.

“Distâncias somam a gente para menos”

Quem já provou em alguma época da vida a distância de alguém, ou da terra onde largou o umbigo, sabe bem como ouvir esta frase.

Eu a escolhi para colocar junto ao presépio da querida Júlia.

No presépio de Júlia as figuras são do Panamá e a casinha, que também é chamada de lapinha, está forrada de folhas secas das árvores por onde hoje Júlia caminha.




O Presépio aqui torce a frase do poeta: diminui distâncias e soma as gentes para mais.

2 de dezembro

Como criança esquecida, mas apressada, abri várias janelinhas do calendário de uma só vez.

2 de dezembro

São Francisco de Assis e Santo Antônio,são para mim, os dois santos mais simpáticos da Igreja Católica, com todo o respeito aos outros. Parece que estão sempre dispostos a uma conversinha, daquelas de pai para filho.
“Olha São Chico, não sei o que faço com...., me ajuda vai... e lá vem ele com aquela carinha simpática de quem vai fazer tudo para resolver ou pelo menos dar um colinho.

Imagino-o em Assis, uma das cidades onde Deus está presente com certeza, sentado com seus amigos pensando em uma forma de celebrar o nascimento do Menino da forma como de fato aconteceu: a grandeza na simplicidade.

E assim como não quer nada, em 1223 pediu permissão ao Papa e, às imagens de Nossa Senhora, São José, e do menino na manjedoura cheia de palha; juntou um boi e um jumento e outros animais vivos. Celebrou assim uma Missa de Natal.

Os amigos do Sótão e do Porão sabem da minha paixão por eles e sempre me mandam algum de presente, físico ou virtual.

Uma amiga querida, que pleonasmo, aqui só entram as queridas, me mandou vários e escolhi este.

Obrigada Margareth.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Começa dezembro e me dá certa agonia: pelo ano estar a terminar, pelo balanço inevitável do que fui e do que serei, pelas providências a tomar e às vezes são tantas que fico bêbada, pela festa a preparar e porque daqui a pouco será Natal.

As famílias crescem e se misturam, umas comem peru, outras bacalhau, outras não comem nada.

Em algumas se trocam presentes, em outras, eles são só para as crianças e, em outras ainda é um Feliz Natal com aquele amargo que acompanha a miséria.


Natal só é fácil quando se é criança, e assim mesmo nem sempre, depois é tarefa difícil de vencer e confesso que, o mês de dezembro vem se tornando a cada ano mais difícil.


Em certos anos gostaria que ao 30 de novembro se seguisse o 6 de janeiro. O ano já teria terminado e levado embora todas as convenções que as datas exigem.

Há uns anos atrás, num mês de junho, tive vontade de presentear a todos, como se faz no Natal; estava feliz e tinha entrado um dinheirinho extra, mas, por medo de me acharem louca, acabei numa festa junina, que detesto. Quando entrou dezembro já não estava tão feliz, o dinheiro tinha se perdido com outras obrigações e o Natal me deixou triste e endividada.

Entre compras e mais compras, almoços, jantares, amigos ocultos e uma comilança sem fim há duas coisas que ainda me comovem em dezembro: o Calendário do Advento e o Presépio. Representam a expectativa de alguma coisa que vai acontecer e a esperança do nascimento, nada nem ninguém nasce sem esperança e expectativa.

Em cada Sótão e cada Porão temos guardados nossos Calendários, Presépios, Árvores, Melancolias, Alegrias, Tristezas, Injustiças e tudo o que nos foi dado a guardar.

Já estou no primeiro domingo de dezembro e ainda não consegui começar o que me propus no fim de novembro – fazer aqui um Calendário do Advento, aquele cartão, mural, coroa de velas, ou seja lá que forma tenha onde os dias de dezembro, de 1 a 25 são marcados com uma imagem, um texto, um doce, ou o que mais a imaginação inventar.


Pois bem, estou 5 dias atrasadas, mas esta é a vida real, quando vemos já passaram 5 horas, 5 dias, 5 meses e aí é Natal. Mas mesmo assim vou tentar fazer este calendário funcionar.

Já o Presépio ocupa na minha vida um lugar especial.

Sou apaixonada por esta representação: os pais adorando o filho que acaba de nascer, seja ele filho de reis ou de escravos, o olhar é o mesmo sobre aquele pequeno – a família, sagrada sempre, independente da forma que evoluiu daqueles dias para os atuais.


E de quebra, um anjo protegendo os 3.




O meu presente de Natal para quem passar por aqui será o calendário e a cada dia uma imagem de presépio, às vezes atrasada em 1 ou 2 dias, não importa, quero manter a expectativa no ar.

Vamos lá então:

1 DE DEZEMBRO:

O Calendário do Advento vem dos Luteranos alemães, que, ao menos até o começo do século XIX, faziam a contagem regressiva para o dia do Advento.
Freqüentemente, a contagem era feita com um simples risco de giz na porta a cada dia, começando em primeiro de dezembro. Algumas famílias tinha meios mais elaborados de marcar os dias, como acender uma nova vela (talvez a gênese das atuais coroas do Advento) ou pendurando um santinho na parede a cada dia.
As velas também podiam ser colocadas em uma estrutura, que era conhecida como "relógio do Advento". Em dezembro de 1839 a primeira coroa do Advento pública foi pendurada na capela da Ruhes Haus (um orfanato) em Hamburgo, apesar de ter sido uma prática familiar em regiões de língua germânica da Europa desde o século XVII.
O primeiro calendário do Advento conhecido foi manufaturado em 1851.


Chata esta explicação... prefiro pensar que cada dia terá a me esperar uma surpresinha ou uma pequena vela que acesa vai me fazer sorrir levemente, nem é bem um sorriso, é quase um suspiro, uma esperançazinha antiga que sem querer vai tomando a gente.


E como aqui não pode faltar poesia, começo com Manuel Bandeira, podem chorar à vontade



Versos de Natal

Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!

Mas se fosses mágico,
Penetrarias até ao fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A autora fala

Com a palavra a autora e responsável pelas lembranças:

Ai Martha, quase chorei. Que lindo!
Obrigada pelo carinho...
bjss
Dailza

Não Dailza, nós é que agradecemos.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Achei que os comentários ao Post do Sonho valiam outro post.
Alguém duvida do poder das lembranças?


Como alguém já disse - John Lennon? - a vida é o que acontece enquanto fazemos planos, e sem as coisas pequenas, como chegaremos às grandes?

Aí vão eles:

Preciso dizer que os olhos encheram de lágrimas? Acho que não né, meio óbvio!!!

Mais uma vez eu digo a expressão "Old School" que se for lida devagar reparem que vira "Old is cool"

A casa de Angra é imortal, cheia de lembranças, churrascos, almocos, jantares, filmes alugados na locadora com gramado no telhado,"O brojo agora é a kilo", "O brojo agora é churraskilo", O velho do Restaurante Oceano que "flertava" com a vovó, muito misto quente da sanduicheira, JERÔNIMOOOOO, Mico torrado no poste, morcego invadindo a casa na madrugada, Espanadrapos, Quioksi, Repceção, Show do Mágico Peixoto, Bingo com prêmio de Nado livre até a Ilha Grande, tardes intermináveis na piscina e muitos mas muitos papos-furados e conversas na varanda deliciosa.

No clima do show do Paul lembrei da música dos beatles "In my life" que diz os seguintes versos:

"There are places I remember all my life,
Though some have changed,
Some forever not for better,
Some have gone and some remain."

Amei o texto. Ela conseguiu retratar a casa sem nunca ter ido. Incrível.

Beijos, Pedro

O que o Pedro escreveu, torna qualquer outro comentário desnecessário.
Bjs, Beto

Quem queria estar lá agora põe o dedo aqui que já vai fecharrrrrrrrrrrrrrrrrr

love u all, Camilla


Em 25 de novembro de 2010 05:31, Fernando Scodro escreveu:

acho que precisamos sim adicionar a brava reação do Pedro ao morcego...MAINAAAAA!!!!




Hoje é Thanksgiving (o meu primeiro em um lugar que não é meu "home" but is the the place I live now). Ler o texto e depois receber vários comentários que fazem total sentindo na minha vida, realmente me fez perceber (como os americanos dizem) "what I am thankful for"
Muito obrigada por todas as memórias que a casa de Angra só deu um empurrãozinho para acontecer. Se hoje eu consigo me apresentar para as novas pessoas que conheço todos os dias, muito é por causa de vocês!
Mesmo o Rio estando confuso, eu desejo um Happy Thanksgiving para todos!
E só para adicionar na lista do Pedro: "pim pim pim pirim faça uma onda forte pra mim....... TA NO FORNOOOOOO"
Beijos e MUITAS saudades!
Sylvia

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Casa e o Mar ( o sonho da Martha)

Conhecer a Dailza numa oficina literária foi uma das boas coisas que aconteceram este ano. Dailza tem talento – ficou em terceiro lugar nos concurso de contos da Off- FLIP, é organizada – toma conta do blog dos alunos da oficina, é mãe e avó – cria filhos e netos com um amor sem fim, e é minha nova amiga – daquelas que logo desconfiamos que vieram para ficar.
Num dos exercícios da oficina Dailza escreveu um mini conto sobre um sonho que lhe contei, aliás, eu não contei o sonho, simplesmente disse que quando ia para a minha casa na praia eu sonhava que o mar entrava dentro dela, somente isto.
Dailza, com seus olhos, ouvidos e alma de escritora, contou sem querer a história da casa muito melhor do que eu, a dona da história, teria feito.
Em 142 palavras Dailza revelou uma casa onde família, amigos, vizinhos, viveram e deixaram muitas recordações.
A vida mudou, os pequenos cresceram, os mais velhos partiram, os vizinhos são outros, mas a casa continua lá, pronta para nos receber. É para lá que vamos quando queremos tirar o sapato, deixar marcas na areia e entrar no mar para sentir o sal na boca e na pele.
A casa é azul, azul da cor do mar.


A Casa e O Mar
(Sonho de Martha)

Ela era uma casa simpática. Ficava à beira d’água, sempre enamorada do mar. Durante muitos verões, foi o paraíso das crianças que, logo de manhãzinha, corriam pela areia até chegar à barra de espuma macia e molhar os pés.
A casa não era grande nem pequena. Tinha o tamanho ideal para guardar memórias, testemunhar gerações. Viu quando castelos de areia deram lugar às pranchas que cortavam as águas. Assistiu primeiros beijos roubados em noite de lua cheia.
Mas, nada dura além de seu destino. Um dia, o mar cansado da rotina, resolveu que seria bom quebrar suas ondas mais além. O mar queria crescer, ganhar novos espaços. E assim foi: começou pela areia branca, ganhou as calçadas até chegar à varanda. Invadiu as salas, os quartos e quando deu-se conta, a casa que antes olhava o mar, agora vivia dentro dele.

Dailza
11/2010

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Livros+ Livros X Livros = PAIXÃO


Livros, livros e mais livros, falta lugar para guardar todos os que li e ainda assim representam uma ínfima parte do que gostaria de ler.

A paixão por eles pode ser doentia, mesmo isto não sendo doença.

Mas os livros não são sempre os mesmos ao longo da nossa vida, e da deles. O texto que hoje nos emociona já passou por nós sem nenhum efeito há anos atrás, ou pior, ficou com aquela marca horrível da obrigação de ler para a escola, o melhor lugar para provocar horror aos livros.

Este texto de Clarice Lispector, viva ela, me fez escolher também no meu Sótão quais meus livros preferidos. Dos 4 citados, 3 são livros que também me marcaram. Não digo quais para não adiantar a beleza do texto.

Boa leitura e se quiser mande aqui para o Sótão as suas preferências.



O PRIMEIRO LIVRO DE CADA UMA DE NOSSAS VIDAS

Perguntaram-me uma vez qual fora o primeiro livro de minha vida. Prefiro falar do primeiro livro de cada uma das minhas vidas. Busco na memória e tenho a sensação quase física nas mãos ao segurar aquela preciosidade: um livro fininho que contava a história do Patinho Feio e da Lâmpada do Aladim.
Eu lia e relia as duas histórias, criança não tem disso de ler uma só vez: criança quase aprende de cor e, mesmo quase sabendo de cor, relê com muito da excitação da primeira vez. A história do patinho feio no meio dos outros bonitos, mas quando cresceu revelou o mistério: ele não era pato e sim um belo cisne. Essa história me fez meditar muito, e identifiquei-me com o sofrimento do patinho feio – quem sabe se eu era um cisne?


Quanto a Aladim, soltava a minha imaginação para as lonjuras do impossível a que eu era crédula: o impossível naquela época estava ao meu alcance. A idéia do gênio que dizia: pede de mim o que quiseres, sou teu servo – isto me fazia cair em devaneio. Quieta no meu canto, eu pensava se algum dia um gênio me diria: “ Pede de mim o que quiseres.” Mas desde então revelava-se que sou daquelas que têm que usar os próprios recursos para terem o que querem, quando conseguem.

Tive várias vidas. Em outra de minhas vidas, o meu livro sagrado foi emprestado porque era muito caro: Reinações de Narizinho.
Já contei o sacrifício de humilhações e perseveranças pelo qual passei, pois, já pronta para ler Monteiro Lobato, o livro grosso pertencia a uma menina cujo pai tinha uma livraria. A menina gorda e muito sardenta se vingara tornando-se sádica e, ao descobrir o que valeria para mim ler aquele livro, fez um jogo de “amanhã venha em casa que eu empresto”. Quando eu ia, com o coração literalmente batendo de alegria, ela me dizia: “Hoje não posso emprestar, venha amanhã.” Depois de cerca de um mês de venha amanhã, o que eu, embora altiva que era, recebia com humildade para que a menina não me cortasse de vez a esperança, a mãe daquele primeiro monstrinho de minha vida notou o que se passava e, um pouco horrorizada com a própria filha, deu-lhe ordens para que naquele mesmo momento me fosse emprestado o livro. Não o li de uma vez: li aos poucos, algumas páginas de cada vez para não gastar. Acho que foi o livro que me deu mais alegria naquela vida.

Em outra vida que tive, eu era sócia de uma biblioteca popular de aluguel. Sem guia, escolhia os livros pelo título. E eis que escolhi um dia um livro chamado O Lobo da Estepe, de Herman Hesse.
O título me agradou, pensei tratar-se de um livro de aventuras tipo Jack London. O livro, que li cada vez mais deslumbrada, era de aventura, sim, mas outras aventuras. E eu, que já escrevia pequenos contos, dos 13 aos 14 anos fui germinada por Herman Hesse e comecei a escrever um longo conto imitando-o: a viagem interior me fascinava. Eu havia entrado em contato com a grande literatura.

Em outra vida que tive, aos 15 anos, com o primeiro dinheiro ganho por trabalho meu, entrei altiva porque tinha dinheiro, numa livraria, que me pareceu o mundo onde eu gostaria de morar. Folheei quase todos os livros dos balcões, lia algumas linhas e passava para outro. E de repente, um dos livros que abri continha frases tão diferentes que fiquei lendo, presa, ali mesmo. Emocionada, eu pensava: mas esse livro sou eu! E, contendo um estremecimento de profunda emoção, comprei-o. Só depois vim a saber que a autora não era anônima, sendo, ao contrário, considerada um dos melhores escritores de sua época: Katherine Mansfield.


A descoberta do mundo
Ed. Rocco, 1999
Os erros de português estão no texto do livro, com certeza não são de Clarice e nem desta copista.

Só por brincadeira faça o teste abaixo:

VERDADEIRO OU FALSO

1- O livro é sempre melhor que o filme.
2- Um banheiro sem material de leitura é com a Suíça sem os Alpes.
3- Não há lugar mais agradável do que uma velha biblioteca com seu cheiro de poeira.
4- Eu sempre sou atraído por aquela caixa de livros usados no fundo de um brechó, mesmo que eu esteja passando a pé, de carro ou de bicicleta.
5- É difícil não achar que o meu trabalho é um mero intervalo no meu prazer de ler.
6- Uma livraria põe à prova a fraqueza da natureza humana.
7- Nenhum móvel ou objeto é tão charmoso numa decoração quanto os livros.

E agora me diga: alguma das afirmativas acima remotamente se encaixa no seu amor pelo mundo dos livros? Então estamos na mesma turma.

domingo, 7 de novembro de 2010

Um amigo

Um dia recebo um pequeno texto de uma amiga que já havia guardado aqui neste sótão um vestido xadrezinho.

É do seu jeito escrever com a simplicidade de quem presta atenção somente ao que interessa na vida.

Não sei se ela sabe, e isto não importa agora, que escreve lindos poemas em prosa. Uma Baudelaire de saias? Não, talvez de maillot nadando em muitos mares, sua paixão, e entre uma braçada e outra vai poemando como quem proseia.

O assunto do e-mail era: VOU ARRISCAR. Não sei se estava se preparando para um salto de trampolim, ou para um percurso marítimo ainda por descobrir.

O fato é que quando o texto caiu no meu colo, respingou poesia por todos os lados, foi uma festa. Tratei de juntar tudo e... guardei, pois naquela hora estava eu em outras terras, em outros mergulhos e levei um tempinho até chegar no meu porto novamente, atracar, amarrar o barco e dividir o que trouxe.

Eis o texto:

Foi num instante! Numa troca de olhares.

Ali estava ele com toda sua simplicidade, seu colorido, parado me esperando.

Foi amor à primeira vista. Parei e admirei-o em silêncio. Ele parado ali ficou.
Um impulso forte brotou dentro de mim: será meu. Agi rápido, pois senti que despertava este mesmo horrível sentimento em outra pessoa – a cobiça.


Em pouco tempo eu estava com ele. Abraçava-me, rodeava meu pescoço com carinho e encanto, ficamos por um tempo assim, namorados que se encontram depois de longo tempo apartados.

Cada pedacinho seu contava histórias de além mar, cheirava a maresia e a cores, pois sim, cor tem cheiro, claro, e imaginei ainda mais mistérios do que aqueles que trazia do berço.

Teria sido trazido pelo mar? Chegado numa garrafa com bilhetes de náufragos?

Não descobri ainda, e, no entanto isto não faz diferença, pois não diminui a sua alegria colorida de encantar a quem o conhece e, à sua volta brilham os olhos de desejo das crianças que fascinadas me pedem mais histórias, como se eu Sherazade fosse capaz de criá-las a partir de seus pedacinhos.

Pelos sete mares já andou e se mais mares houvesse mais elogios eu juntaria.

Fiel, comigo permanece, me alegrando, me enfeitando os dias, simples, colorido, me esperando.

A você, meu amigo silencioso de todas as horas, dedico esta homenagem.



Suzy Altmayer

Acho que o vestido xadrezinho está em ótima companhia


Que venham mais, pois precisamos vestir a alma de delicadezas como estas.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A Quem Fica


“... Acordemos, então, que não é prefácio isto, mas aviso simples ou prevenção, como aquele derradeiro que o viajante, já no limiar da porta, já postos os olhos no horizonte próximo, ainda deixa a quem lhe ficou a cuidar das flores.

... A felicidade fique o leitor sabendo, tem muitos rostos. Viajar é, provavelmente, um deles. Entregue suas flores a quem saiba cuidar delas, e comece”.

Acertou quem reconheceu aqui a escrita de Saramago.

São trechos do prefácio do seu “Viagem a Portugal”. Livro para ser lido ao som de um fado na voz de Amália Rodrigues, de um copo de Vinho do Porto e de um Pastel de Belém que, com certeza, deixarão algumas marcas na brancura das páginas e que, por sua vez, também nos marcarão em algum lugar.

Não recomendo a leitura como um guia de viagem, nem Saramago o faz, não siga o itinerário dele, procure o seu caminho dentro das possibilidades dos caminhos que um país com alma oferece e que um escritor/viajante transforma no Portugal de cada um.

Mas não é de viagem que quero falar. Penso nas flores.




Vejo o pequeno ou a pequena ao lado dos avós ouvindo o último aviso da mãe sobre algum cuidado indispensável que não poderia ser esquecido. Vejo seus olhos no horizonte, divididos entre o prazer da viagem, “são só alguns dias”, e a dificuldade da separação. O pai aproveita de se ocupar com o carro para esconder a emoção.

Naquele tempo bastava trocar os pequenos de quarto e tudo estava arranjado. A educação e os cuidados trocavam suavemente de mãos.




Mas assim mesmo aquele momento era horrível. A pequena ou o pequeno sentindo-se abandonados trocados por qualquer prazer, está claro que não pensavam assim, sentiam assim, esperneavam e choravam. E não havia nada que os consolasse, nem o colo quente da avó e nem todas as suas promessas de comer, dormir e brincar a qualquer hora.

E quase sem perceber o pequeno ou a pequena passam para o outro lado da porta.
Lançam avisos aos que ficam agora com suas crianças, avisos mais complexos. A vida destas crianças necessita de uma agenda de várias folhas com todos os compromissos, remédios para todas as alergias, e médicos para as diversas mazelas que sempre as crianças tiverem, mas que agora necessitam de olhos super treinados, os olhos antigos não servem mais.

A troca de mãos já não é tão suave, a insegurança de quem vive nos tempos modernos precisa mais do que uma avó amorosa para lhes acalmar, precisa de especialistas, afinal, estas crianças são gourmets exigentes, executivos com múltiplas tarefas e frágeis ao ponto de precisarem de supervisão constante. Grandes perigos podem se apresentar para elas.

E de novo quase sem perceber, na porta lançam o olhar para trás: os pequenos se foram e outros pequenos ainda não chegaram.

Sobram de fato as flores, as samambaias ou talvez um cachorro que, percebendo a partida, se agita um pouco para logo depois se postar à porta à espera.

A lista de procedimentos desta vez é para quem parte.

Para as flores, a primavera acontece todos os anos; para as gentes, é preciso criá-la sempre.



E assim, depois de tanto tempo sem ir ao Sótão e ao Porão, eu volto.




E lá se vão 45 dias de primavera.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Mais uma viagem a Portugal







Pouca terra e muito mar é assim que penso Portugal.

Lisboa sempre me espera linda já de manhã cedo e, apesar de toda a sua beleza, é o Tejo que enche meus olhos de desejo.

Descer a Av. da Liberdade no meio dos plátanos até a Praça do Comércio, dobrar à direita, e daí até Belém. Cumpro à risca este ritual. Não posso deixar de ver Lisboa por este ângulo, nem deixar de contemplar em silêncio e respeitosamente a sua história, a minha história.

Mosteiro dos Jerônimos, Padrão dos Descobrimentos, Torre de Belém:


começava ali a nova cara do mundo – Fernão de Magalhães, Vasco da Gama, Cabral e, muito mais tarde, José Estima, meu avô. Todos se lançaram a este mar desconhecido que bate nas areias finas e brancas de Belém, nas pedras do Guincho, da Boca Inferno




e do Cabo da Roca.






A primeira vez que vi o mar de Portugal foi a bordo de um navio, saindo de Lisboa ao entardecer: um dos meus primeiros descobrimentos, ou alumbramentos? O vento na proa soprava a História e trazia para mim o espírito dos portugueses – marinheiros, poetas, amantes – gente simples, mas mui VALOROSA.

Como resistir ao convite das velas brancas deslizando pelo Tejo? Embarcava com elas e me deixava levar.

Mais uma viagem a Portugal.

Desta vez as velas não me tentarão. Desta vez quero ficar em terra firme, quero ver a terra, a serra, o rio. Mas que viagem fazer? Qual terra, qual serra, qual rio buscar?

Olho para a minha estante e alguns amigos de longa data estão lá, prontos para me ajudar: Fernando Pessoa (que desde cedo me acompanha), Eça, Saramago, mais recentemente Miguel de Souza Tavares e sua mãe Sophia de Mello Breyner Andresen e, por último, Camões, que deveria ter sido o primeiro.

Logo na primeira busca Miguel me dá de presente este trecho do seu livro “No teu deserto”:

“(...) estávamos a amarrar em Gibraltar, debruçados na amurada do barco que nos tinha trazido do Marrocos durante a noite, olhando a manhã de Dezembro, limpa e deslumbrante sobre as águas quietas do Estreito, e tu me perguntaste:
- Em que pensas?
- Estava a pensar que há viagens sem regresso. E que nunca mais vou voltar desta viagem. Nunca mais vou regressar do deserto.”

E comecei a entender o que se passa comigo cada vez que chego à Lisboa.

Portugal é a viagem da qual nunca retorno. É onde entendo o Brasil, onde me sinto em casa mesmo longe, onde meu pai me acompanha em cada esquina, em cada grade de sacada, em cada parede de azulejo, em cada Ourivesaria.

Parece que lhe escuto a dizer:
Olha o Santo Antoninho ali naquela fachada.
Vê esta cidade e não te esqueces: foi daqui que partimos.
Anda, vamos comer um docinho, o que é do gosto regala a vida.
Compra esta Nossa Senhora da Conceição, é linda...

Camões me convidar a ir: (...) “lá onde a terra acaba e o mar começa.”



E continua:

“Já a vista, pouco e pouco, se desterra
Daqueles pátrios montes, que ficavam;
Ficava o caro Tejo e a fresca Serra
de Sintra, e nela os olhos se alongavam.

Ficava-nos também na amada terra
O coração, que as mágoas lá deixavam
E já depois que toda se escondeu,
Não vimos mais, enfim, que mar e céu.”

Eça em “A Relíquia” completa a viagem de Camões:

“Depois, uma manhã, cortando a vaga azul, avistaria a serra fresca de Sintra; as gaivotas da pátria vinham dar-me o grito de boa acolhida.”


O barco de Camões encontra seu porto seguro e, em terra firme Pessoa me convida para o seu Chevrolet:




“Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?
Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.
(...)”

A Serra de Sintra – como não pensei antes?


Leio em Saramago:

“Todos os caminhos vão dar a Sintra. O viajante já escolheu o seu. Dará a volta por Azenhas do Mar e Praia das Maçãs, espreitará primeiro as casas que descem a arriba em cascata, depois o areal batido pelas ondas do largo, mas confessa ter olhado tudo isto um pouco desatento, como se sentisse a presença da serra atrás de si e lhe ouvisse perguntar por cima do ombro: “Então, que demora é essa?“

Em Saramago decido: quero ir à Sintra

Não posso deixar o Prêmio Nobel esperando uma resposta e, no primeiro dia de outono, deixo Lisboa para trás e a Serra de Sintra toca o céu lá longe.

Não darei adeus à Europa como Vergílio Ferreira: “Sintra é o mais belo adeus da Europa quando enfim encontra o mar. Camões o soube quando os seus navegadores a fixaram como a última memória da terra, antes de não verem mais que “mar e céu”. E no entanto, ou por isso, o espaço que ela nos abre não é o da infinitude mas o do que a limita a um envolvimento de repouso. Alguém a trouxe de um paraíso perdido ou de uma ilha dos amores para uma serenidade de amar. Ela é assim o refúgio de nós próprios e de todo o excesso que nos agride ou ameaça.”

Ao contrário, começarei a ver a Europa por ali.

Buscarei em Portugal também o amor de Pedro e Inês, a “Sofia” de Coimbra, o túmulo que espera o rei que nunca voltou da guerra, um claustro onde eu possa sentar e “ouvir” um monge rezando no curso infinito da água de uma fonte, um doce bem doce, um porto aveludado e de cor ruby.

Já no meio da subida a presença maciça de plátanos, sobreiros e pinheiros parece a cada curva competir com o mar que vai ficando mais longe, mas obstinadamente volta a aparecer nos Sete Ais, no Castelo dos Mouros, no Palácio da Pena, sumindo nos Capuchos e em Monserrate.

Em certo momento parece que paro e a natureza passa por mim, desfilando seus tons de verde, amarelo, vermelho e em algum lugar que não sei onde vou buscar a lembrança: “e alguns plátanos já nus, que cansados de tanto calor soltam as folhas no chão.”




Hans C. Andersen, em seu diário “Uma Visita a Portugal”, diz: “A mais bela e decantada parte de Portugal é a inigualável Sintra; ... Diz-se que todo o estrangeiro poderá encontrar em Sintra um pedaço da sua pátria. Eu descobri aí a Dinamarca.”


Os plátanos agora ocupam todos os lugares, fora e dentro de mim. Antes de caírem seus galhos e folhas regidos pelo vento, imitam ora o mar, ora os pássaros, ora uma canção de ninar que ficou lá atrás e que suave me embala novamente.



Piso leve neste tapete, são minhas lembranças.

Manuel Tavares terá mesmo razão? De algumas viagens não se volta? Ou será que alguns lugares nunca se deixam?




Para saber é preciso se lançar, o caminho fará o resto.