“... Acordemos, então, que não é prefácio isto, mas aviso simples ou prevenção, como aquele derradeiro que o viajante, já no limiar da porta, já postos os olhos no horizonte próximo, ainda deixa a quem lhe ficou a cuidar das flores.
... A felicidade fique o leitor sabendo, tem muitos rostos. Viajar é, provavelmente, um deles. Entregue suas flores a quem saiba cuidar delas, e comece”.
Acertou quem reconheceu aqui a escrita de Saramago.
São trechos do prefácio do seu “Viagem a Portugal”. Livro para ser lido ao som de um fado na voz de Amália Rodrigues, de um copo de Vinho do Porto e de um Pastel de Belém que, com certeza, deixarão algumas marcas na brancura das páginas e que, por sua vez, também nos marcarão em algum lugar.
Não recomendo a leitura como um guia de viagem, nem Saramago o faz, não siga o itinerário dele, procure o seu caminho dentro das possibilidades dos caminhos que um país com alma oferece e que um escritor/viajante transforma no Portugal de cada um.
Mas não é de viagem que quero falar. Penso nas flores.
... A felicidade fique o leitor sabendo, tem muitos rostos. Viajar é, provavelmente, um deles. Entregue suas flores a quem saiba cuidar delas, e comece”.
Acertou quem reconheceu aqui a escrita de Saramago.
São trechos do prefácio do seu “Viagem a Portugal”. Livro para ser lido ao som de um fado na voz de Amália Rodrigues, de um copo de Vinho do Porto e de um Pastel de Belém que, com certeza, deixarão algumas marcas na brancura das páginas e que, por sua vez, também nos marcarão em algum lugar.
Não recomendo a leitura como um guia de viagem, nem Saramago o faz, não siga o itinerário dele, procure o seu caminho dentro das possibilidades dos caminhos que um país com alma oferece e que um escritor/viajante transforma no Portugal de cada um.
Mas não é de viagem que quero falar. Penso nas flores.
Vejo o pequeno ou a pequena ao lado dos avós ouvindo o último aviso da mãe sobre algum cuidado indispensável que não poderia ser esquecido. Vejo seus olhos no horizonte, divididos entre o prazer da viagem, “são só alguns dias”, e a dificuldade da separação. O pai aproveita de se ocupar com o carro para esconder a emoção.
Naquele tempo bastava trocar os pequenos de quarto e tudo estava arranjado. A educação e os cuidados trocavam suavemente de mãos.
Mas assim mesmo aquele momento era horrível. A pequena ou o pequeno sentindo-se abandonados trocados por qualquer prazer, está claro que não pensavam assim, sentiam assim, esperneavam e choravam. E não havia nada que os consolasse, nem o colo quente da avó e nem todas as suas promessas de comer, dormir e brincar a qualquer hora.
E quase sem perceber o pequeno ou a pequena passam para o outro lado da porta.
Lançam avisos aos que ficam agora com suas crianças, avisos mais complexos. A vida destas crianças necessita de uma agenda de várias folhas com todos os compromissos, remédios para todas as alergias, e médicos para as diversas mazelas que sempre as crianças tiverem, mas que agora necessitam de olhos super treinados, os olhos antigos não servem mais.
A troca de mãos já não é tão suave, a insegurança de quem vive nos tempos modernos precisa mais do que uma avó amorosa para lhes acalmar, precisa de especialistas, afinal, estas crianças são gourmets exigentes, executivos com múltiplas tarefas e frágeis ao ponto de precisarem de supervisão constante. Grandes perigos podem se apresentar para elas.
E de novo quase sem perceber, na porta lançam o olhar para trás: os pequenos se foram e outros pequenos ainda não chegaram.
Sobram de fato as flores, as samambaias ou talvez um cachorro que, percebendo a partida, se agita um pouco para logo depois se postar à porta à espera.
A lista de procedimentos desta vez é para quem parte.
Para as flores, a primavera acontece todos os anos; para as gentes, é preciso criá-la sempre.
E assim, depois de tanto tempo sem ir ao Sótão e ao Porão, eu volto.
E lá se vão 45 dias de primavera.