Minha querida amiga Denise,
Como nas cartas de antigamente, escrevo estas mal traçadas para te dizer que estou aqui na nossa terra.
Li teu poema sobre as 5 Marias e fui procurar as minhas 5 Marias para te convidar para um joguinho rápido enquanto nossas mães não nos chamam para tomar banho e jantar.
Como não achei no Sótão, e muito menos no Porão, pois jóia rara que são não é lá que estariam, achei que deveria ir à Rua Oswaldo Cruz e anotei o seguinte para te contar.
"Hoje eu fui à nossa rua.
Fui a pé, sem sapatos, como antigamente. Queria sentir a areia quente, espetar espinho ou gravatá na sola, só para sentir aquela dorzinha fina.
Queria ver também se ainda estavam impressos no chão, esmagados pelos carros cobras e sapos, fósseis de pernas abertas e corpo mutilado que davam nojo, mas um gostinho de vitória – "destes escapamos".
Os terrenos baldios, cheios de vira-latas atrás de comida, agora estavam habitados por construções feias, verdadeiros muquifos, colados uns nos outros e, o que mais sobrava - liberdade para os olhos - era o que mais faltava respirando este enfileirado de casas.
Fui olhando as casas, mas as novas me confundiam o olhar e, só quando eu já tinha passado por uma daquelas antigas, me vinha à memória o jeito como ela estava guardada.
O caminho que estava dentro de mim tão simples e pouco habitado custava a se espelhar naquela rua real.
Não cresci muito, em tamanho bien sur, desde que vendemos a casa, mas a rua pareceu tão curta, tão sem graça...
Cheguei rápido demais à minha casa.
A casa está feia e se estivesse abandonada me causaria tristeza, mas habitada e mal cuidada me fez mal.
Todas as casas daquela quadra estão do mesmo jeito. Seus donos, atuais ou antigos, não parecem preocupados com certa dignidade que aquela rua tinha.
Toda a quadra enfeou junta: foi dada uma ordem e todas obedeceram sem contestar.
Os terrenos ainda baldios que sobram são os que mais enfeitam a rua.
Não sei que nome tem as flores roxas e amarelas que nascem naqueles campos sem dono, mas, cuidadas por ninguém, fazem mais pela memória do que existia do que o atual estado das coisas.
Fiquei com vontade de dar um grito:
- Vocês sabem como fomos felizes aí?
Que esta casa e as outras como a da Margareth, do Eduardo, da Denise, da Glória, já tiveram vida melhor do que vocês estão dando a elas?
Desisti, nem iriam me ouvir.
Dei meia volta e chutei uma pedra. Embaixo dela 5 pedrinhas sorriam: eram as 5 Marias das nossas tardes preguiçosas de Clube Juvenil, onde em campeonatos disputadíssimos gastávamos o tempo da infância.
Este sim: comprido, bonito, livre, povoado de casas arrumadas e bem tratadas, onde entrávamos e saíamos só para comer e dormir - a rua era nossa.
A rua real é a rua real, mas a da memória é a que atravesso todos os dias com minhas 5 Marias no bolso, chamando as outras Marias para no chão jogarmos as pedrinhas e rirmos a larga.
Como nas cartas de antigamente, escrevo estas mal traçadas para te dizer que estou aqui na nossa terra.
Li teu poema sobre as 5 Marias e fui procurar as minhas 5 Marias para te convidar para um joguinho rápido enquanto nossas mães não nos chamam para tomar banho e jantar.
Como não achei no Sótão, e muito menos no Porão, pois jóia rara que são não é lá que estariam, achei que deveria ir à Rua Oswaldo Cruz e anotei o seguinte para te contar.
"Hoje eu fui à nossa rua.
Fui a pé, sem sapatos, como antigamente. Queria sentir a areia quente, espetar espinho ou gravatá na sola, só para sentir aquela dorzinha fina.
Queria ver também se ainda estavam impressos no chão, esmagados pelos carros cobras e sapos, fósseis de pernas abertas e corpo mutilado que davam nojo, mas um gostinho de vitória – "destes escapamos".
Os terrenos baldios, cheios de vira-latas atrás de comida, agora estavam habitados por construções feias, verdadeiros muquifos, colados uns nos outros e, o que mais sobrava - liberdade para os olhos - era o que mais faltava respirando este enfileirado de casas.
Fui olhando as casas, mas as novas me confundiam o olhar e, só quando eu já tinha passado por uma daquelas antigas, me vinha à memória o jeito como ela estava guardada.
O caminho que estava dentro de mim tão simples e pouco habitado custava a se espelhar naquela rua real.
Não cresci muito, em tamanho bien sur, desde que vendemos a casa, mas a rua pareceu tão curta, tão sem graça...
Cheguei rápido demais à minha casa.
A casa está feia e se estivesse abandonada me causaria tristeza, mas habitada e mal cuidada me fez mal.
Todas as casas daquela quadra estão do mesmo jeito. Seus donos, atuais ou antigos, não parecem preocupados com certa dignidade que aquela rua tinha.
Toda a quadra enfeou junta: foi dada uma ordem e todas obedeceram sem contestar.
Os terrenos ainda baldios que sobram são os que mais enfeitam a rua.
Não sei que nome tem as flores roxas e amarelas que nascem naqueles campos sem dono, mas, cuidadas por ninguém, fazem mais pela memória do que existia do que o atual estado das coisas.
Fiquei com vontade de dar um grito:
- Vocês sabem como fomos felizes aí?
Que esta casa e as outras como a da Margareth, do Eduardo, da Denise, da Glória, já tiveram vida melhor do que vocês estão dando a elas?
Desisti, nem iriam me ouvir.
Dei meia volta e chutei uma pedra. Embaixo dela 5 pedrinhas sorriam: eram as 5 Marias das nossas tardes preguiçosas de Clube Juvenil, onde em campeonatos disputadíssimos gastávamos o tempo da infância.
Este sim: comprido, bonito, livre, povoado de casas arrumadas e bem tratadas, onde entrávamos e saíamos só para comer e dormir - a rua era nossa.
A rua real é a rua real, mas a da memória é a que atravesso todos os dias com minhas 5 Marias no bolso, chamando as outras Marias para no chão jogarmos as pedrinhas e rirmos a larga.
E sem saber que fazíamos como Fernando Pessoa, que nem tinha nascido para nós naquele tempo, mas já guardava rebanhos:
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Quer jogar? "
Beijo
Martha