quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O Vestido e a Transformação



Num comentário sobre o vestido da Narizinho, uma querida amiga, Alison, falou sobre um vestido descrito em um livro que fazia parte de suas lembranças.

Sabe como é, falou em livro, saímos todos, traças, cupins, ratos, atrás dele. Não dava para ficar só na vontade.

Ainda bem que existe uma coisa chamada Estante Virtual, e, em alguns dias e por míseros R$ 10,00 chegava aquele pacote no sótão. Livro velho, como gostamos.

O livro, Pássaros Feridos de Colleen McCullogh, numa edição de 1979 da DIFEL, tinha somente umas 700 páginas e depois de muita troca de e-mails para achar o trecho, eis que ele aparece na página 167. E nestas conversas Alison me conta:
“talvez não tenha sido só o vestido, mas a transformação da personagem é que me fazem lembrar dele”.

Estas transformações que atribuímos a objetos, pessoas, ou situações, são como o fim do inverno e o início da primavera - que começa por uma graminha verde que nem notamos e de repente nos surpreende com uma explosão de cor e de vida – há muito já está sendo preparada.

Deixo para vocês os comentários e a leitura do livro, pois, o movimento no Sótão está grande, estão chegando viagens, casas habitadas, professores, e muito mais.

O texto:


“Mas foi para Meggie que todos os olharam por mais tempo.

Recordando-se talvez da própria infância e despeitada porque todas as outras jovens convidadas tinham encomendado seus vestidos em Sidney, a costureira Gilly fizera com o coração o vestido de Meggie. Um vestido sem mangas, decotado; a princípio, Fee se mostrara em dúvida, mas diante das súplicas de Meggie e, tendo-lhe assegurado a costureira que todas as moças estariam usando a mesma espécie de coisa – quereria ela que a filha fosse chamada de caipira e mal vestida? Fee acabara cedendo. De crepe georgette, levemente cinturado, o vestido tinha uma faixa do mesmo tecido em torno das cadeiras. Era de um cinzento tirante à palha, cor-de-rosa pálido, da cor que davam, naquele tempo, o nome de cinzas de rosas; entre ambas, a costureira e Meggie haviam bordado todo ele com minúsculos e róseos botões de rosa”.

Já está guardado numa bela caixa envolto em papel de seda azul e um laço rosa.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Meu Vestido Xadrezinho


O texto do Vestido da Narizinho está mexendo em cada sótão maravilhoso.

Minha querida amiga Suzy me mandou este "Vestido Xadrezinho".

Procurei nas fotos e papéis do sótão alguma coisa para ilustrar o texto, mas pensei: - "Por mais que eu procure nunca será igual ao dela."

Achei este molde antigo para publicar mas me pergunto: "Este vestido foi mesmo feito de tecido e a partir de um molde de papel?"

Deixo para vocês a resposta, se é que tem.





Um vestido simples? Ou simplesmente um vestido?!!
Era tão lindo!
Para meus seis anos? Ou seria menos? Também não sei, não importa.
Ainda hoje não consigo defini-lo, mas o dia lembro bem.
Naquele dia não tive muito a atenção da minha mãe. Muito atarefada entre tesouras, moldes, linhas, alinhavos, botões, máquina de costura. Não percebia o que sairia dali. Era um dia qualquer.
Reclamei um pouco, mas meus afazeres me chamavam: dar comida às bonecas, dar banho, botá-las para dormir e subir em árvores com meus irmãos.
Ao me colocar para dormir, minha mãe compensou toda a falta de atenção que eu reclamei contando minha história preferida: Cinderela; mas antes da parte do vestido, cansada, adormeci.
No dia seguinte ao acordar, me esperava nas costas do sofá da sala um lindo vestido: de chita, xadrezinho azul e branco, bem passado e engomadinho. Ao lado dele minha bonequinha vestia um igualzinho.
Nunca esqueci esta surpresa e carinho que só mãe sabe dar.
Não consigo definir se foi simplesmente um vestido.
Guardo nele a grande alegria de uma simples criança que ainda mora aqui dentro.


Suzy, embalada pelas histórias da carochinha dentro de um sótão cheio de aranhas doces.
Ithaca 18/08/2010

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Perigo no Porão - A Inveja

Preciso ir ao porão.

Quero encontrar pistas de quem foi lá e deixou escapar uma criatura poderosa.

Falo da Inveja!

Traças e Cupins comeram o armário que a tinha trancado? Como sou boba! Não percebi então que o armário de madeira era frágil e não iria segurá-la por muito tempo?

Então fui eu mesma?!?!?

De tempos em tempos examinei detalhadamente a madeira para procurar pozinho de cupim, sinal de madeira podre, verificando ainda se a porta estava trancada para me assegurar que desta vez seria diferente. A vigilância severa me colocaria a salvo: sabia onde ela estava e durante muito tempo fiquei de guarda.

Até que achei que isto estava me tomando muito tempo e energia. Encostei o armário no fundo e espacei o controle.

Não sei se na última arrumação não percebi o perigo ou não avaliei bem aquele pozinho no chão, prova concreta de um buraquinho na madeira, o fato é que ela escapuliu e me pegou.

Mas foi rápido.
Percebi logo quem era e não precisei gastar muita energia – tranquei-a num armário de ferro que tinha chegado lá a pedido de uma amiga muito, muito querida que não tinha onde colocá-lo.

Às vezes os amigos são assim, uns seres estranhos.

Pedem umas coisas sem sentido, nos dão coisas que parecem tralhas inúteis, nos levam ao porão quando precisamos, ou vão conosco quando não temos coragem de irmos sozinhos, e mais estranhos ainda: fazem isto quando poderiam desfrutar só do Sótão.

Ainda bem que o armário estava lá!

Quem tem padrinho não morre pagão

Todo mundo tem uma madrinha ou um padrinho neste mundo.

Vão aparecendo aos poucos na nossa vida: batismo, consagração, crisma, casamento. Tem uma função definida, são mais ou menos presentes, e para alcançar este posto, seguimos – padrinhos madrinhas e afilhados, rituais definidos.

Se a vida fosse feita de rituais definidos seria tão simples, chato, é verdade, mas tão menos trabalhoso! Era só abrir o caderninho e procurar a fala do momento, quem segura quem no colo, quem jura proteção eterna, presença constante e estas coisas todas.

E as surpresas? Abriríamos mão delas? E os que nos surpreendem no meio do caminho da vida? Aqueles que não leram o texto, ou leram e resolveram que não iriam cumprir o que estava escrito?

Aqui no sótão aparecem os padrinhos de coração.

Socorro Traças! Assim que arrumar outra expressão eu aviso, e vocês tratem de carregar este clichezinho barato para o porão e dar cabo dele.


Valeu Prima Maria Amélia por ter compartilhado o texto com outras pessoas com tanto carinho.



Obrigada, Mamélia, pela crônica da Martha. Através dela consegui me transportar à infância de muitas lembranças. Foi um momento mágico.Beijo. Norma.

Adorei ler este artigo que me é tão familiar, pois tb sou de Rio Grande e fiz parte desta época dourada!!!!!!!!!!!!!!!!! Anônimo (mande seu nome)

Não gostei. Deu tristeza. Acho que nunca vai aparecer uma confeitaria que se iguale à Sol de Ouro e a Nogueira, de Pelotas. Buáááá! Dinei
De fino trato e bom gosto. Amei este pedacinho do sótão. Maria de Lourdes (Chuca)

Uma bela recordação Maria Amélia! Como morei também em Pelotas, me recordo da confeitaria Nogueira, quando lá estive a pouco tempo,já não existia mais.
Ainda me lembro da rosca de massa de ló coberta com açúcar de confeiteiro, tenho guardado na mente aquela pilha delas colocadas harmoniosamente na vitrina. Outra coisa que ainda me dá saudade é do açúcar "cande" vendido na frente do cine Carlos Gomes. Jonatas

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

As Aranhas e outros bichos

Os bichos estão soltos por aqui hoje.
Primeiro as traças e cupins, depois as formigas e agora as aranhas e os piolhos.

As Aranhas

Alguns reclamaram que as Aranhas ficaram de fora da lembrança.

São uns doces feitos de finas tiras de côco, quase transparentes, cozidas rapidamente numa calda grossa e arrumadas em montinhos com uns confeitos de bolinhas coloridas ou prateadas colocados por cima.

Esta explicação "técnica" tira toda a graça do doce, quem o conheceu não precisa dela e quem não conheceu também não precisa porque não conseguir sentir o prazer que ela desperta.
Levá-lo a boca, morder a tira, "al dente", do côco, apertá-la contra o céu da boca para soltar o açúcar e ..... ficar só com a delícia do côco....

Era assim que eu comia, e vocês?

Os Piolhos
Há uma expressão chamada "piolho na costura", alguém conhece?
É aquele que pela primeira vez aparece na vida da gente materializado sob a forma de irmão.
Pois é, o piolho, irmão da traça, disse que o Sol de Ouro era uma mistura de França e Espanha e não de França e Portugal como eu mencionei.
Bem está feita a ressalva, mas é por estas e outras que fiz outro blog http://www.manamano.wordpress.com/ para discutir relacionamento entre irmãos, que desde Caim e Abel, sabe como é que é...
Beijinho piolho na costura, continue fazendo suas ressalvas que publicarei.

As formigas

As formigas desta vez tomaram conta do sótão. Mas tem algumas que são muito tímidas e não comentaram aqui no espaço, mas as Traças, que não são fáceis foram atrás, descobriram seus formigueiros e de lá trouxeram seus comentários.
As lembranças foram tão doces que merecem ser comentadas aqui:


O SOL DE OURO É UMA DAS MAIS FORTES BOAS LEMBRANÇAS DA JUVENTUDE DE MUITAS GERAÇÕES COMO A MINHA. POUCOS LUGARES MARCARAM TANTO UMA ÉPOCA NO RIO GRANDE. QUE SAUDADES!
MARIA CARMEM


BELEZA ! EMOCIONANTE .
PAULO EDISON

Nossa que delicia Martha!! Comi tudo , com os olhos nas tuas palavras no sabor que me vi mordendo aqueles que foram os meu doces de infância também.Nao se sei de gulosa comi tudo nao sobrou nenhum para contar a historia, mas senti falta das "aranhas" aquela especialidade que me encantava pela sua forma delicada e saborosa. Nunca mais vi nada igual. Eram do mais puro côco e demoravam a se desmanchar.Parabens Martinha tudo lindo! Voltei la no passado! Uma viajem rapida mas gostosa, ainda segui um pouco mais e fui ate a "Casa Couto' onde ganhávamos as famosas" linguas de gato" e aqueles pingos de chocolate com confeitos coloridos.Ah coisa boa reviver e ter muito para contar! Somos previlegiadas por termos em nossas "prateleiras do sotao" tantas lembranças boas!Beijos suzy=

sábado, 14 de agosto de 2010

Amanhã é domingo

Descobri no sótão algumas lembranças de domingos que não gostaria que as traças e os cupins se fartassem. São boas demais para serem esquecidas.

Deliciem-se, afinal de contas, amanhã é domingo....



Tinha um ritual na minha infância que seguíamos à risca: COMPRAR DOCES NA CONFEITARIA APÓS A MISSA DE DOMINGO.

Comprávamos para a sobremesa do almoço ou para o café da tarde depois da sesta.

A Confeitaria, chamava-se Sol de Ouro, lembrava confeitarias européias, muita madeira, vitrines grandes de vidro e reluzentes metais.
Os doces eram espetaculares, mistos de pâtisserie francesa com portuguesa, faziam com que a nossa boca enchesse de água só de pensar em ir até lá.

Qualquer almoço ou chá da tarde era logo elevado à categoria de “acontecimento” se a dona da casa anunciasse:
- Estive muito atarefada para fazer as sobremesas e comprei uns doces no Sol de Ouro.

Pronto, era o suficiente para tudo o que já tínhamos comido virar lembrança.

Que viessem logo!

Nas prateleiras, como instrumentos de uma orquestra, os doces cuidadosamente arrumados se apresentavam para o concerto diário.

Na primeira fila, as Cordas, os doces de ovos, com muitas, muitas gemas.

O Quindim era o primeiro violino: o “spalla”.

Para sorte de todos, ao contrário do que acontece em uma orquestra, eram muitos os “spallas” nas prateleiras. Desconfio que fossem eles a inspiração do nome da loja.

A transparência quase etérea da parte de cima apoiava-se no côco da parte de baixo. Eram sóis amarelo-brilhante cuidadosamente disposto em forminhas prateadas.

As outras Cordas, Violas, Violoncelos, Contrabaixos, estavam ali nos Bom-bocados, Queijadinhas de crosta crocante, Toucinhos dos Céu.
A Harpa? Os Papos de Anjo, claro, imersos em delicada calda doce.

As massas folhadas, tão leves, não resistiam ao Sopro das Flautas, Oboés e Clarinetes.

As Madrilenas - pequenos discos de massa folhada recheados de doce de leite, as Mil Folhas e os Biscoitos Champagne esperavam o momento de se dissolverem no ar e na boca.

Havia também alguns docinhos, que tais como os instrumentos de Percussão mais comuns – Triângulos e Pratos pareciam estar por ali só compondo o conjunto.

Engano. Puro engano.

Eram esferas tão perfeitas que o comum se transformava em encanto.

Os Camafeus com nozes escolhidas a dedo, os Olhos de Sogra – com as ameixas todas do mesmo tamanho, os Caramelados, as Trouxinhas de Nozes, todos tinham uma versão mais grosseira em outras confeitarias, mas ali, não. Ali, a delicadeza reinava.

Esta orquestra de açúcar guardava, como em tudo neste mundo, seus contrastes, e não tardava a mostrar ao lado de toda esta delicadeza - o vigor dos Bumbos e das Caixas.

As e-nor-mes Bombas de Chocolate e Creme que, junto aos Merengões recheados de doce de leite e doce de ovos tinham, na boca, o mesmo poder destes instrumentos – ao comê-los tudo em volta parava, principalmente pela dificuldade da tarefa, difícil com as mãos, pior ainda de garfo e faca.

Uma Sinfônica que se preze não pode abrir mão das Teclas: Piano e Cravo.

Ao contrário da maioria dos outros instrumentos, para tocá-los é indispensável que o músico esteja sentado, ou alguém já ouviu Chopin tocado de pé?

Para comer estes doces, devia-se estar sentado e concentrado.

Doces feitos de um pão-de-ló tão fino e macio que ao tocar o céu da boca desmanchava-se e misturava-se ao recheio - ora um doce de leite, ora um doce de ovos - os olhos se fechavam e suspiros suaves enchiam os espíritos. Eram Bem-casados, Casados em pé, Ratinhos, todos cobertos com uma fina camada de fondant e cuidadosamente decorados com caramelos, chocolates e doce de ovos.

E era meu pai, o maestro da doçura, que aos domingos, de mãos dadas comigo, escolhia os sabores e compunha a sinfonia.

Com uma batuta imaginária ele determinava quais doces pulariam das prateleiras de vidro para a caixa de papelão. Mais tarde ao redor da mesa os apreciaríamos com calma, mas com quase nenhuma parcimônia.

No meio daquela pequena agitação de cidade do interior eu esperava por uma frase.

Tão doce quanto qualquer um daqueles doces embalados, tão carinhosamente pronunciada quanto o carinho que o laço era dado na fita, e acompanhada de um piscar cúmplice de olhos:

- Para a minha filha, a senhora embrulhe 200 gr. de Estrelinhas e Casadinhos
[1], por favor.

Domingos de antigamente, domingos de toda a vida.

[1] Estrelinhas, um biscoito amanteigado coberto com uma fina camada de um caramelo "puxa" com o desenho de uma estrela num fio de caramelo queimado e Casadinhos, dois biscoitos amanteigados recheados com doce de leite e cobertos com fina camada de açúcar de confeiteiro.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Arrumação no Sótão e no Porão




Resolvi dar uma arrumada no sótão e no porão.

Estava tudo muito misturado. Mesmo nos guardados há que manter certa ordem.

No Sótão guardarei todas as lembranças boas. Dei uma arejada, pedi a um mestre de obras que abrisse uma janela na frente norte para o sol entrar com força no inverno menos inclemente no verão.

Remanejei para o sótão as melhores lembranças, as que quero preservar



mas ainda estou pensando quais serão os melhores lugares - de novo esta mania – mas o que posso fazer se me alegro quando procuro e acho?
Comove-me ver a delicadeza e o cuidado com que as coisas foram guardadas, mesmo que não tenham sido por mim. O tempo parou naquele objeto esperando meu desejo e minha lembrança.

- A flecha do tempo é para frente, dirão alguns, não podemos mudar sua direção.
- Tudo bem, digo eu, mas o que é o arco? E a corda? Sem falar no arqueiro. É esta combinação que faz a flecha zunir em direção ao futuro.


No Porão não tive a mesma preocupação, talvez por estar um pouco cansada da arrumação, deixei as coisas como estavam.



O cansaço me fez perguntar: - Por que tudo tem que estar sempre nos trinques?
Um pouco de descaso também não faz mal.

Deixei lá definitivamente o que não quero mais ver, encostei tudo no fundo da peça que é para não precisar nem entrar.

É só jogar lá dentro e deixar as Traças e os Cupins de guardiões. Percebi até um sorriso de satisfação nos olhos deles. Vão poder trabalhar pela eternidade sem serem incomodados, estarão a salvo da luz, do calor, do ar fresco da manhã, do pano úmido, da vassoura.

Parece coisa de doido? Não é não. Há muita gente neste mundo que escolhe a companhia das traças e dos cupins que corroem tudo que encontram pela frente à do sol que ajuda a gerar transformação.
Aqui tem sempre um lugar para as suas coisas, não esqueça

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Sótão e Porão dá as boas-vindas aos novos alunos da Oficina de Contos

Que delícia sentar num cantinho do sótão, cercada de objetos que contam histórias, que trazem lembranças e escrever, escrever, escrever...

Ser um escritor é ter um livro publicado? É ter um livro publicado e ainda por cima fazer sucesso? É tudo isto e ainda apresentar um sucesso por ano?

Pode ser somente o prazer do devaneio, do viajar no tempo e no espaço atrás das palavras, ou a cata delas, para que possam lindamente se espalharem naquela folha em branco.
Pode ser a necessidade de fazer sair pela mão o que não sai pela boca.
Pode ser o desejo de sonhar com mais alguém um mundo melhor.
Pode ser o desejo de ver uma criança se espantar com a mágica da imaginação.

Pode ser tanta coisa! Ir ao sótão e ao porão pode trazer grandes idéias, mas também pode nos lembrar que o que era importante um dia, já não é tão importante agora, e o que cai nas nossas mãos sem querer pode ser um tesouro que vai nos brindar com palavras esquecidas, choros não chorados, raivas guardadas...

Isto é só para dar as boas-vindas aos colegas da Oficina de Contos.
A viagem está só começando e o "Sótão e Porão" está à disposição dos seus guardados.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Babette sai às ruas


O texto que dá título a esta nova postagem é de uma querida amiga, Cecília Cecílio, decoradora que mora em Uberaba, SP.
Cecília e eu nos vemos muito bisextamente, mas temos muita afinidades de gostos, de conversas e de idéias.
Cecília escreve sobre decoração, gastronomia, e outras coisas boas boa da vida. Quando nos encontramos via Facebook, parece que não existimos mais sem ele, nos aproximamos como grandes amigas de infância.
Este texto abaixo, que me deu vontade de fazer um igual só para viver este passeio na minha vida, foi mandado por ela após muita insistência. Acho que todos vão concordar que ela tem muito a dizer.
Nasci em Uberaba nos idos dos anos 60, em uma família muito receptiva.

Mamãe odiava, e ainda, odeia cozinha, mas delegava poderes como ninguém. Atualmente adota o sistema delivery.

Papai, filho de imigrantes árabes, era super exigente e de paladar apurado. O casal sempre recebeu muito quando era sofisticado servir maionese, estrogonofe e peru “á califórnia”.

Minhas primeiras saídas gastronômicas aconteceram na Rua Vigário Silva, onde visitava todos os dias a família Penna Rocha e com a insistência do Sr. Cel. Pedro Rocha, degustava (e me lambuzava) beterrabas cozidas. Acho que nunca mais as comi!

Com as irmãs Palmério, aprendi a tomar o “caliente” chá das 17 horas.

Com uma disciplina britânica, atravessava a rua para tomar o célebre picolé de tamarindo, na sorveteria da frente. Hábito que ainda mantenho.

Quando completei 20 anos, meus passos aumentaram e consegui de papai, um árabe patriarcal, o inédito fato de sair do país - sem papai, mamãe, titia ou professora.

Que delícia!!!

O mundo se descortinava para mim.

Aos 21 anos fui estudar decoração em São Paulo e tive um maior leque de opções gastronômicas. Aliás, acho que arte e gastronomia são paralelas, pois beleza vai à mesa sim! Dizem as más línguas que eu só abro a bolsa, tenho compulsão por elas, para excelentes restaurantes e objetos de decoração.

Em 1985 casei com meu então amigo Marcelo e fomos morar em São Joaquim da Barra.

A vida passava e na cidade nada acontecia, a não ser a banda (adorada por Ana Maria Braga), que tocava aos domingos no coreto da praça.

Que marasmo!!!

Resolvi então, abrir o livro de receitas que ganhei de mamãe, com a seguinte dedicatória: - Cecilinha, a coisa mais difícil do casamento é a cozinha. Que Deus te ajude!

E como ajudou!
Aprendi a cozinhar, engordei uns quilos extras, fiz jantares sofisticados e lindas festas infantis. Sobretudo, fiz excelentes amizades, que são mantidas até hoje.

Acho que receber é uma maneira de rezar, pedindo graças e repartindo o “pão” com a família e amigos.

Então vamos, abra seu coração e sua casa!
Comemore!
Bem-vinda Cecília!
Continue nos surpreendendo com seu "savoir-vivre".
Em breve vou fazer uma mudança nas coisas aqui do Sótão e do Porão e este texto vai para o Sótão. Daqui há uns dias vocês vão entender o porquê.

domingo, 8 de agosto de 2010

Alguns Comentários

Alison, uma amiga querida, que não tem conta no google e por isto não consegue postar um comentário - alguém pode ajudar? - disse:

Tentei postar, mas preciso de uma conta no google. Enfim, o vestido que me marcou foi um descrito no livro "Pássaros Feridos" que li quando tinha uns 15 anos.... Capítulo 6, se tiveres uma cópia do romance. Bj

Vou procurar o livro, alguém sabe o autor?

Talvez seja um trabalho para a Manuela, rata de biblioteca.

Qual é o vestido dos seus sonhos?

Fui buscar no porão, numa estante de pé quebrado, minha coleção capa dura, verde, com letras prateadas das obras de Monteiro Lobato. As traças e cupins que não se atrevam a chegar perto dela enquanto não encontro outro lugar para acomodá-la.

Fui lá porque me veio de repente uma pergunta:

Qual foi o vestido que eu nunca esqueci?

Comecei a perguntar para algumas amigas e todas tinham uma lembrança. Elas variavam das mais maravilhosas às mais desastradas e cafonas.

Mas eu não queria saber dos vestidos reais e sim dos imaginários.

Aquele que quando éramos pequenas vimos no primeiro casamento que fomos, ou naquela ilustração do conto de fadas favorito, ou no “figurino” que se comprava para fazer roupas com a costureira da família. Pois é, para algumas é uma imagem tão marcante que passam à vida procurando algo que chegue pelo menos perto do original, ou melhor, algo que lhes faça sentir o que imaginavam que sentiriam se vestissem aquela roupa.

Pois foi por isto que procurei Monteiro Lobato. O vestido de sonhos que nunca abandonou a minha imaginação e meu desejo de ter igual foi o que li quando pequena em “Reinações de Narizinho”.

Era o vestido de noiva de Narizinho para seu casamento com o Príncipe Escamado no Reino das Águas Claras. Lembram?

É puro sonho e imaginação.

Um vestido impossível de ter e por isto o desejo nunca realizado. Só a Narizinho teve este vestido.

Ai que inveja! Inveja de mulher, aquela bem horrível, apesar de adorar a Narizinho e me sentir sua amiga íntima.

Cada vez que me deparo na escolha de um vestido para uma data importante na minha vida penso nele.

Somos assim mesmo: mudamos nosso papel no mundo, conquistamos nossa independência financeira e emocional, criamos muitas vezes sozinhas nossos filhos, mas um vestido novo....

Só nós sabemos do que é capaz.

Vamos ver como Monteiro Lobato descreveu o “meu” vestido.

O VESTIDO MARAVILHOSO

.....Narizinho e Emília escolhiam figurinos em casa de Dona Aranha Costureira. Depois passaram a escolher fazendas. Dona Aranha tirou de seus armários de madrepérola um vestido cor do mar como todos os seus peixinhos; e com o maior pouco caso, como se fosse uma coisinha barata, desdobrou-o diante das freguesas assombradas.

- Que maravilha das maravilhas! – exclamou Narizinho, de olhos arregalados, sentindo uma tontura tão forte que teve de sentar-se para não cair.

Era um vestido que não lembrava nenhum outro desses que aparecem nos figurinos. Feito de seda? Qual seda nada! Feito de cor – e cor do mar! Em vez de enfeites conhecidos – rendas, entremeios, fitas, bordados, plissés ou vidrilhos, era enfeitado com peixinhos do mar. Não de alguns peixinhos só, mas de todos os peixinhos – os vermelhos, os azuis, os dourados, os de escamas furta-cor, os compridinhos, os roliços como bolas, os achatados, os de cauda bicudinha, os de olhos que parecem pedras preciosas, os de longos fios de barba movediços – todos, todos!... Foi ali que Narizinho viu como eram infinitamente variadas a forma e a cor dos habitantes do mar. Alguns davam a idéia de verdadeiras jóias vivas, como se feitos por um ourives que não tivesse o menor dó de gastar os mais ricos diamantes e opalas e rubis e esmeraldas e pérolas e turmalinas de sua coleção. E esses peixinhos-jóias não estavam pregados no tecido, como os enfeites e aplicações que usam na terra. Estavam vivinhos, nadando na cor do mar como se nadassem na água. De modo que o vestido variava sempre, e variava tão lindo, lindo, lindo, que a tontura da menina apertou e ela pôs-se a chorar.

-É a vertigem da beleza! – exclamou Dona Aranha sorridente, dando-lhe a cheirar um vidrinho de éter.

Emília espichou a munheca para apalpar a fazenda; queria ver se era encorpada.
- Não bula! Murmurou Narizinho com voz fraca, ainda de olhos turvos.

O mais lindo era que o vestido não parava um só instante. Não parava de faiscar e brilhar, e piscar e furtar-cor, porque os peixinhos não paravam de nadar nele, descrevendo as mais caprichosas curvas por entre as algas boiantes. As algas ondeavam as suas cabeleireiras verdes e os peixinhos brincavam de rodear os fios ondulantes sem nunca tocá-los nem com a pontinha do rabo. De modo que tudo aquilo virava e mexia e subia e descia e corria e fugia e nadava e boiava e pulava e dançava que não tinha fim... A curiosidade de Emília veio interromper aquele êxtase.

- Mas quem é que fabrica esta fazenda, Dona Aranha? – perguntou ela, apalpando o tecido sem que Narizinho visse.
- Este tecido é feito pela fada Miragem – respondeu a costureira.
- E com que a senhora corta?
- Com a tesoura da Imaginação.
- E com que agulha cose?
- Com a agulha da Fantasia.
- E com que linha?
- Com a linha do Sonho.
- E... por quanto vende o metro?

Narizinho já mais senhora de si, deu-lhe uma cotovelada.
- Cale-se Emília. Os peixinhos podem assustar-se com suas asneiras e fugir do vestido.





Agora, vai dizer que este não é o vestido dos sonhos de qualquer uma?

As descrições dos peixes e os apartes da Emília fazem deste trecho uma preciosidade tão grande quanto o vestido em questão.

Desta vez não tem foto, pois o texto original também não tinha e – precisa?

Qual é o vestido dos seus sonhos? Conte logo e o proteja das traças e cupins. Apesar de que quando bem guardados eles nem chegam perto.

Anna Akhmatova

Este assunto é para as traças e os cupins roerem até não sobrar nada.Nem um pozinho vai sobrar para aquele dia que resolvermos fazer uma faxina.

A violência e a opressão que os governos e seus ditadores impõem aos seus povos é algo que definitivamente deveria ser banido da face da terra. Mas não é sobre isto que quero comentar. É sobre os efeitos disto numa mãe.

Na minha extrema ignorância nunca tinha ouvido falar em Anna Akhmatova.
Você já? Lucky you, pois só fui ter o prazer de conhecer sua obra o ano passado.

Esta poetisa russa do início do século viu a Primeira Guerra, os anos de horror do Stalinismo, a Segunda Guerra, mas o pior de tudo: viu seu filho preso, torturado e mandado para trabalhos forçados.

A história de sua vida se pode buscar em várias fontes, o que eu queria deixar aqui é um poema que faz parte de uma pequena série escrita quando seu filho estava preso.

A série chama-se RÉQUIEM, o nome já dá uma pequena idéia do que vem pela frente, e foi com este poema que fui apresentada a ela no Sheldonian Theatre em Oxford na Inglaterra em 2009.

Em 1965, Anna recebeu uma das poucas permissões que para viajar ao exterior e receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Oxford neste mesmo teatro.

Quando um dos palestrantes inspirou-se na história dela, para fazer seu discurso, contando daquela mulher pequena, usando sempre um xale preto nos ombros e sendo ovacionada pela platéia, vocês podem imaginar o que sentiram os que estavam lá.

Vou transcrever um dos trechos de RÉQUIEM:

No Lugar de um Prefácio

Nos anos terríveis da Iéjovshtchina, passei dezessete meses fazendo fila diante das prisões de Leningrado. Um dia, alguém me “reconheceu”. Aí, uma mulher de lábios lívidos que, naturalmente, jamais ouvira falar em meu nome, saiu daquele torpor em que sempre ficávamos e, falando pertinho de meu ouvido (ali todas nós só falávamos sussurrando), me perguntou:
- E isso, a senhora pode descrever?
E eu respondi:
- Posso.
Aí, uma coisa parecida com um sorriso surgiu naquilo que, um dia, tinha sido o seu rosto.

Leningrado, 1/4/1957

Existem momentos na vida da gente em que não há palavras nem pensamentos, é só silêncio e às vezes o silêncio também não é suficiente para dividir conosco o que sentimos. Mas aí aparece algo ou alguém que pode nos entender e nos dão as palavras que nos lêem e dão sentido ao que sentimos.

Os poetas, os escritores, as crianças e a natureza são as maiores fontes destas respostas.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Fui ao sótão agora de manhã, mais tarde vou ao porão

Arrumando uns livros na minha estante, achei um que tinha dado como perdido e já há dias procurava. Estava triste e jurando que nunca mais emprestaria livros.
Quando puxo um lá vem ele junto.
O livro é "O livro dos Abraços" do Eduardo Galeano e gosto tanto dele que até este blog poderia ser dedicado a este livro em particular.
Já na orelha lemos o seguinte: "Abra este livro com cuidado: ele é delicado e afiado como a própria vida. Pode afagar, pode cortar. Mas seja como for, como a própria vida vale a pena".
Para não estragar a surpresa, deixo aqui o texto que está na quarta capa:




A função da arte/ 1
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadlof levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. e foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!


Será que foi isto que ele viu?


Um primor de delicadeza e emoção.


Você que está lendo, tem algum texto para dividir aqui em "Textos que emocionam?"

terça-feira, 3 de agosto de 2010





Clássico é clássico, dispensa comentários, apresentações, prólogos, e tudo aquilo que se fala antes do principal, na maioria das vezes para demonstrar que somos mais cultos e eruditos do que os outros mortais.



Começar a brincadeira com Marcel Proust é muito sério. Todo mundo conhece, já ouviu falar, leu um resumo em poucas linhas das suas Madeleines. Mas tem os que não conhecem, nunca ouviram falar, e estes são os melhores, pois o susto que levam ao se verem lidos pelo texto é enorme. Ficam marcados para sempre e podem acreditar que de vez em quando vão perguntar: "Como é mesmo aquela história dos bolinhos e do chá?"


Mas o Sótão e Porão é para isto mesmo. Ler de novo, ver de novo, apreciar com calma cada farelinho deste texto que na nossa opinião é o pai de todos os outros que falam de recordações, e principalmente dos sabores da infância.


Você nunca comeu madeleines quando era pequeno? Não faz mal, alguma coisa tem sabor, cheiro, ou calor de infância, para você.

Relaxe e leia saboreando algo gostoso e não esqueça do chá, mas pode ser um vinho também.

E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedaço de madalena que nos domingos de manhã em Combray (pois nos domingos eu não saía antes da hora da missa) minha tia Léonie me oferecia, depois de o ter mergulhado em seu chá da Índia ou de tília, quando ia cumprimentá-la em seu quarto. O simples fato de ver a madalena não me havia evocado coisa alguma antes que a provasse; talvez porque, como depois tinha visto muitas, sem as comer, nas confeitarias, sua imagem deixara aqueles dias de Combray para se ligar a outros mais recentes; talvez porque, daquelas lembranças abandonadas por tanto tempo fora da memória, nada sobrevivia, tudo se desagregara; as formas – e também a daquela conchinha de pastelaria, tão generosamente sensual sob sua plissagem severa e devota – se haviam anulado ou então, adormecidas, tinham perdido a força de expansão que lhes permitiria alcançar a consciência. Mas quando mais nada subsiste de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis porém mais vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, aguardando, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, e suportando se ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício imenso da recordação.
E mal reconheci o gosto do pedaço de madalena molhado em chá que minha tia me dava (embora ainda não soubesse, e tivesse de deixar para muito mais tarde tal averiguação, por que motivo aquela lembrança me tornava tão feliz), eis que a velha casa cinzenta, de fachada para a rua, onde estava seu quarto, veio aplicar-se, como um cenário de teatro, ao pequeno pavilhão que dava para o jardim e que fora construído para meus pais aos fundos dela (esse truncado trecho da casa era só o que eu recordava até então); e, com a casa, a cidade toda, desde a manhã à noite, por qualquer tempo, a praça para onde me mandavam antes do almoço, as ruas por onde eu passava e as estradas que seguíamos quando fazia bom tempo. E, como nesse divertimento japonês de mergulhar numa bacia de porcelana cheia d’água pedacinhos de papel, até então indistintos e que depois de molhados, se estiram, se delineiam, se cobrem, se diferenciam, tornam-se flores, casas, personagens consistentes e reconhecíveis, assim agora todas as flores de nosso jardim e as do parque do Sr. Swann, e as ninféias do Vivonne, e a boa gente da aldeia e suas pequenas moradias e a igreja e toda a Combray e seus arredores, tudo isso que toma forma e solidez, saiu, cidade e jardins, de minha taça de chá.


No caminho de Swann
Marcel Proust; tradução Mário Quintana
Editora Globo