Alison, uma amiga querida, que não tem conta no google e por isto não consegue postar um comentário - alguém pode ajudar? - disse:
Tentei postar, mas preciso de uma conta no google. Enfim, o vestido que me marcou foi um descrito no livro "Pássaros Feridos" que li quando tinha uns 15 anos.... Capítulo 6, se tiveres uma cópia do romance. Bj
Vou procurar o livro, alguém sabe o autor?
Talvez seja um trabalho para a Manuela, rata de biblioteca.
Os sótãos e porões não existem mais nas casas modernas, por isto criei este lugar para: - descobrir coisas esquecidas tais como, uma poesia, um trecho de um livro clássico, fotos, e muito mais, - um lugar para guardar por algum tempo coisas que você não quer mais, mas que de vez em quando quer olhar - um lugar para deixar seus sentimentos de mágoa, raiva, e tudo o que nos faz mal e pedir às traças e aos cupins que os destruam de vez. Entre neste sótão e neste porão e fique à vontade.
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domingo, 8 de agosto de 2010
Qual é o vestido dos seus sonhos?
Fui buscar no porão, numa estante de pé quebrado, minha coleção capa dura, verde, com letras prateadas das obras de Monteiro Lobato. As traças e cupins que não se atrevam a chegar perto dela enquanto não encontro outro lugar para acomodá-la.
Fui lá porque me veio de repente uma pergunta:
Qual foi o vestido que eu nunca esqueci?
Comecei a perguntar para algumas amigas e todas tinham uma lembrança. Elas variavam das mais maravilhosas às mais desastradas e cafonas.
Mas eu não queria saber dos vestidos reais e sim dos imaginários.
Aquele que quando éramos pequenas vimos no primeiro casamento que fomos, ou naquela ilustração do conto de fadas favorito, ou no “figurino” que se comprava para fazer roupas com a costureira da família. Pois é, para algumas é uma imagem tão marcante que passam à vida procurando algo que chegue pelo menos perto do original, ou melhor, algo que lhes faça sentir o que imaginavam que sentiriam se vestissem aquela roupa.
Pois foi por isto que procurei Monteiro Lobato. O vestido de sonhos que nunca abandonou a minha imaginação e meu desejo de ter igual foi o que li quando pequena em “Reinações de Narizinho”.
Era o vestido de noiva de Narizinho para seu casamento com o Príncipe Escamado no Reino das Águas Claras. Lembram?
É puro sonho e imaginação.
Um vestido impossível de ter e por isto o desejo nunca realizado. Só a Narizinho teve este vestido.
Ai que inveja! Inveja de mulher, aquela bem horrível, apesar de adorar a Narizinho e me sentir sua amiga íntima.
Cada vez que me deparo na escolha de um vestido para uma data importante na minha vida penso nele.
Somos assim mesmo: mudamos nosso papel no mundo, conquistamos nossa independência financeira e emocional, criamos muitas vezes sozinhas nossos filhos, mas um vestido novo....
Só nós sabemos do que é capaz.
Vamos ver como Monteiro Lobato descreveu o “meu” vestido.
O VESTIDO MARAVILHOSO
.....Narizinho e Emília escolhiam figurinos em casa de Dona Aranha Costureira. Depois passaram a escolher fazendas. Dona Aranha tirou de seus armários de madrepérola um vestido cor do mar como todos os seus peixinhos; e com o maior pouco caso, como se fosse uma coisinha barata, desdobrou-o diante das freguesas assombradas.
- Que maravilha das maravilhas! – exclamou Narizinho, de olhos arregalados, sentindo uma tontura tão forte que teve de sentar-se para não cair.
Era um vestido que não lembrava nenhum outro desses que aparecem nos figurinos. Feito de seda? Qual seda nada! Feito de cor – e cor do mar! Em vez de enfeites conhecidos – rendas, entremeios, fitas, bordados, plissés ou vidrilhos, era enfeitado com peixinhos do mar. Não de alguns peixinhos só, mas de todos os peixinhos – os vermelhos, os azuis, os dourados, os de escamas furta-cor, os compridinhos, os roliços como bolas, os achatados, os de cauda bicudinha, os de olhos que parecem pedras preciosas, os de longos fios de barba movediços – todos, todos!... Foi ali que Narizinho viu como eram infinitamente variadas a forma e a cor dos habitantes do mar. Alguns davam a idéia de verdadeiras jóias vivas, como se feitos por um ourives que não tivesse o menor dó de gastar os mais ricos diamantes e opalas e rubis e esmeraldas e pérolas e turmalinas de sua coleção. E esses peixinhos-jóias não estavam pregados no tecido, como os enfeites e aplicações que usam na terra. Estavam vivinhos, nadando na cor do mar como se nadassem na água. De modo que o vestido variava sempre, e variava tão lindo, lindo, lindo, que a tontura da menina apertou e ela pôs-se a chorar.
-É a vertigem da beleza! – exclamou Dona Aranha sorridente, dando-lhe a cheirar um vidrinho de éter.
Emília espichou a munheca para apalpar a fazenda; queria ver se era encorpada.
- Não bula! Murmurou Narizinho com voz fraca, ainda de olhos turvos.
O mais lindo era que o vestido não parava um só instante. Não parava de faiscar e brilhar, e piscar e furtar-cor, porque os peixinhos não paravam de nadar nele, descrevendo as mais caprichosas curvas por entre as algas boiantes. As algas ondeavam as suas cabeleireiras verdes e os peixinhos brincavam de rodear os fios ondulantes sem nunca tocá-los nem com a pontinha do rabo. De modo que tudo aquilo virava e mexia e subia e descia e corria e fugia e nadava e boiava e pulava e dançava que não tinha fim... A curiosidade de Emília veio interromper aquele êxtase.
- Mas quem é que fabrica esta fazenda, Dona Aranha? – perguntou ela, apalpando o tecido sem que Narizinho visse.
- Este tecido é feito pela fada Miragem – respondeu a costureira.
- E com que a senhora corta?
- Com a tesoura da Imaginação.
- E com que agulha cose?
- Com a agulha da Fantasia.
- E com que linha?
- Com a linha do Sonho.
- E... por quanto vende o metro?
Narizinho já mais senhora de si, deu-lhe uma cotovelada.
- Cale-se Emília. Os peixinhos podem assustar-se com suas asneiras e fugir do vestido.
Agora, vai dizer que este não é o vestido dos sonhos de qualquer uma?
As descrições dos peixes e os apartes da Emília fazem deste trecho uma preciosidade tão grande quanto o vestido em questão.
Desta vez não tem foto, pois o texto original também não tinha e – precisa?
Qual é o vestido dos seus sonhos? Conte logo e o proteja das traças e cupins. Apesar de que quando bem guardados eles nem chegam perto.
Fui lá porque me veio de repente uma pergunta:
Qual foi o vestido que eu nunca esqueci?
Comecei a perguntar para algumas amigas e todas tinham uma lembrança. Elas variavam das mais maravilhosas às mais desastradas e cafonas.
Mas eu não queria saber dos vestidos reais e sim dos imaginários.
Aquele que quando éramos pequenas vimos no primeiro casamento que fomos, ou naquela ilustração do conto de fadas favorito, ou no “figurino” que se comprava para fazer roupas com a costureira da família. Pois é, para algumas é uma imagem tão marcante que passam à vida procurando algo que chegue pelo menos perto do original, ou melhor, algo que lhes faça sentir o que imaginavam que sentiriam se vestissem aquela roupa.
Pois foi por isto que procurei Monteiro Lobato. O vestido de sonhos que nunca abandonou a minha imaginação e meu desejo de ter igual foi o que li quando pequena em “Reinações de Narizinho”.
Era o vestido de noiva de Narizinho para seu casamento com o Príncipe Escamado no Reino das Águas Claras. Lembram?
É puro sonho e imaginação.
Um vestido impossível de ter e por isto o desejo nunca realizado. Só a Narizinho teve este vestido.
Ai que inveja! Inveja de mulher, aquela bem horrível, apesar de adorar a Narizinho e me sentir sua amiga íntima.
Cada vez que me deparo na escolha de um vestido para uma data importante na minha vida penso nele.
Somos assim mesmo: mudamos nosso papel no mundo, conquistamos nossa independência financeira e emocional, criamos muitas vezes sozinhas nossos filhos, mas um vestido novo....
Só nós sabemos do que é capaz.
Vamos ver como Monteiro Lobato descreveu o “meu” vestido.
O VESTIDO MARAVILHOSO
.....Narizinho e Emília escolhiam figurinos em casa de Dona Aranha Costureira. Depois passaram a escolher fazendas. Dona Aranha tirou de seus armários de madrepérola um vestido cor do mar como todos os seus peixinhos; e com o maior pouco caso, como se fosse uma coisinha barata, desdobrou-o diante das freguesas assombradas.
- Que maravilha das maravilhas! – exclamou Narizinho, de olhos arregalados, sentindo uma tontura tão forte que teve de sentar-se para não cair.
Era um vestido que não lembrava nenhum outro desses que aparecem nos figurinos. Feito de seda? Qual seda nada! Feito de cor – e cor do mar! Em vez de enfeites conhecidos – rendas, entremeios, fitas, bordados, plissés ou vidrilhos, era enfeitado com peixinhos do mar. Não de alguns peixinhos só, mas de todos os peixinhos – os vermelhos, os azuis, os dourados, os de escamas furta-cor, os compridinhos, os roliços como bolas, os achatados, os de cauda bicudinha, os de olhos que parecem pedras preciosas, os de longos fios de barba movediços – todos, todos!... Foi ali que Narizinho viu como eram infinitamente variadas a forma e a cor dos habitantes do mar. Alguns davam a idéia de verdadeiras jóias vivas, como se feitos por um ourives que não tivesse o menor dó de gastar os mais ricos diamantes e opalas e rubis e esmeraldas e pérolas e turmalinas de sua coleção. E esses peixinhos-jóias não estavam pregados no tecido, como os enfeites e aplicações que usam na terra. Estavam vivinhos, nadando na cor do mar como se nadassem na água. De modo que o vestido variava sempre, e variava tão lindo, lindo, lindo, que a tontura da menina apertou e ela pôs-se a chorar.
-É a vertigem da beleza! – exclamou Dona Aranha sorridente, dando-lhe a cheirar um vidrinho de éter.
Emília espichou a munheca para apalpar a fazenda; queria ver se era encorpada.
- Não bula! Murmurou Narizinho com voz fraca, ainda de olhos turvos.
O mais lindo era que o vestido não parava um só instante. Não parava de faiscar e brilhar, e piscar e furtar-cor, porque os peixinhos não paravam de nadar nele, descrevendo as mais caprichosas curvas por entre as algas boiantes. As algas ondeavam as suas cabeleireiras verdes e os peixinhos brincavam de rodear os fios ondulantes sem nunca tocá-los nem com a pontinha do rabo. De modo que tudo aquilo virava e mexia e subia e descia e corria e fugia e nadava e boiava e pulava e dançava que não tinha fim... A curiosidade de Emília veio interromper aquele êxtase.
- Mas quem é que fabrica esta fazenda, Dona Aranha? – perguntou ela, apalpando o tecido sem que Narizinho visse.
- Este tecido é feito pela fada Miragem – respondeu a costureira.
- E com que a senhora corta?
- Com a tesoura da Imaginação.
- E com que agulha cose?
- Com a agulha da Fantasia.
- E com que linha?
- Com a linha do Sonho.
- E... por quanto vende o metro?
Narizinho já mais senhora de si, deu-lhe uma cotovelada.
- Cale-se Emília. Os peixinhos podem assustar-se com suas asneiras e fugir do vestido.
Agora, vai dizer que este não é o vestido dos sonhos de qualquer uma?
As descrições dos peixes e os apartes da Emília fazem deste trecho uma preciosidade tão grande quanto o vestido em questão.
Desta vez não tem foto, pois o texto original também não tinha e – precisa?
Qual é o vestido dos seus sonhos? Conte logo e o proteja das traças e cupins. Apesar de que quando bem guardados eles nem chegam perto.
Anna Akhmatova
Este assunto é para as traças e os cupins roerem até não sobrar nada.Nem um pozinho vai sobrar para aquele dia que resolvermos fazer uma faxina.
A violência e a opressão que os governos e seus ditadores impõem aos seus povos é algo que definitivamente deveria ser banido da face da terra. Mas não é sobre isto que quero comentar. É sobre os efeitos disto numa mãe.
Na minha extrema ignorância nunca tinha ouvido falar em Anna Akhmatova.
Você já? Lucky you, pois só fui ter o prazer de conhecer sua obra o ano passado.
Esta poetisa russa do início do século viu a Primeira Guerra, os anos de horror do Stalinismo, a Segunda Guerra, mas o pior de tudo: viu seu filho preso, torturado e mandado para trabalhos forçados.
A história de sua vida se pode buscar em várias fontes, o que eu queria deixar aqui é um poema que faz parte de uma pequena série escrita quando seu filho estava preso.
A série chama-se RÉQUIEM, o nome já dá uma pequena idéia do que vem pela frente, e foi com este poema que fui apresentada a ela no Sheldonian Theatre em Oxford na Inglaterra em 2009.
Em 1965, Anna recebeu uma das poucas permissões que para viajar ao exterior e receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Oxford neste mesmo teatro.
Quando um dos palestrantes inspirou-se na história dela, para fazer seu discurso, contando daquela mulher pequena, usando sempre um xale preto nos ombros e sendo ovacionada pela platéia, vocês podem imaginar o que sentiram os que estavam lá.
Vou transcrever um dos trechos de RÉQUIEM:
No Lugar de um Prefácio
Nos anos terríveis da Iéjovshtchina, passei dezessete meses fazendo fila diante das prisões de Leningrado. Um dia, alguém me “reconheceu”. Aí, uma mulher de lábios lívidos que, naturalmente, jamais ouvira falar em meu nome, saiu daquele torpor em que sempre ficávamos e, falando pertinho de meu ouvido (ali todas nós só falávamos sussurrando), me perguntou:
- E isso, a senhora pode descrever?
E eu respondi:
- Posso.
Aí, uma coisa parecida com um sorriso surgiu naquilo que, um dia, tinha sido o seu rosto.
Leningrado, 1/4/1957
Existem momentos na vida da gente em que não há palavras nem pensamentos, é só silêncio e às vezes o silêncio também não é suficiente para dividir conosco o que sentimos. Mas aí aparece algo ou alguém que pode nos entender e nos dão as palavras que nos lêem e dão sentido ao que sentimos.
Os poetas, os escritores, as crianças e a natureza são as maiores fontes destas respostas.
A violência e a opressão que os governos e seus ditadores impõem aos seus povos é algo que definitivamente deveria ser banido da face da terra. Mas não é sobre isto que quero comentar. É sobre os efeitos disto numa mãe.
Na minha extrema ignorância nunca tinha ouvido falar em Anna Akhmatova.
Você já? Lucky you, pois só fui ter o prazer de conhecer sua obra o ano passado.
Esta poetisa russa do início do século viu a Primeira Guerra, os anos de horror do Stalinismo, a Segunda Guerra, mas o pior de tudo: viu seu filho preso, torturado e mandado para trabalhos forçados.
A história de sua vida se pode buscar em várias fontes, o que eu queria deixar aqui é um poema que faz parte de uma pequena série escrita quando seu filho estava preso.
A série chama-se RÉQUIEM, o nome já dá uma pequena idéia do que vem pela frente, e foi com este poema que fui apresentada a ela no Sheldonian Theatre em Oxford na Inglaterra em 2009.
Em 1965, Anna recebeu uma das poucas permissões que para viajar ao exterior e receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Oxford neste mesmo teatro.
Quando um dos palestrantes inspirou-se na história dela, para fazer seu discurso, contando daquela mulher pequena, usando sempre um xale preto nos ombros e sendo ovacionada pela platéia, vocês podem imaginar o que sentiram os que estavam lá.
Vou transcrever um dos trechos de RÉQUIEM:
No Lugar de um Prefácio
Nos anos terríveis da Iéjovshtchina, passei dezessete meses fazendo fila diante das prisões de Leningrado. Um dia, alguém me “reconheceu”. Aí, uma mulher de lábios lívidos que, naturalmente, jamais ouvira falar em meu nome, saiu daquele torpor em que sempre ficávamos e, falando pertinho de meu ouvido (ali todas nós só falávamos sussurrando), me perguntou:
- E isso, a senhora pode descrever?
E eu respondi:
- Posso.
Aí, uma coisa parecida com um sorriso surgiu naquilo que, um dia, tinha sido o seu rosto.
Leningrado, 1/4/1957
Existem momentos na vida da gente em que não há palavras nem pensamentos, é só silêncio e às vezes o silêncio também não é suficiente para dividir conosco o que sentimos. Mas aí aparece algo ou alguém que pode nos entender e nos dão as palavras que nos lêem e dão sentido ao que sentimos.
Os poetas, os escritores, as crianças e a natureza são as maiores fontes destas respostas.
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