terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Tempos Paradoxais

A arte, e a literatura em especial, tem sempre algo para explicar aquilo que vem sem explicação. Precisamos de legenda para tudo, e o que vemos nestes tempos de catástrofes, naturais ou provocadas pelo homem, é tão difícil de nomear que fui buscar em dois autores ingleses uma tentativa de legenda.

Charles Dickens abre seu “Conto de Duas Cidades” com uma descrição, hoje universal, pois, não há quem não a conheça, de tempos paradoxais; tempos onde a menor tentativa de explicação traz nela própria seu oposto: a sabedoria e a insensatez, a crença e a descrença, a luz e as trevas. Tão atual que poderia estar em qualquer coluna de jornal saído agora mesmo da gráfica, ou conforme nossa atualidade, publicado em qualquer mídia eletrônica. Só não daria no Twitter, pois nem sempre com 140 caracteres se explica o inexplicável.

Segue o texto:




Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos direto para o paraíso, íamos todos direto no sentido contrário – em suma, o período era em tal medida semelhante ao presente que algumas das suas mais ruidosas autoridades insistiram em seu recebimento, para o bem ou para o mal, apenas no grau superlativo de comparação.

São tempos onde o melhor e o pior da humanidade vem à tona e, pieguices à parte, nos identificamos com cada pessoa que sai da tela da televisão e derrama seu drama ou sua vitória no nosso sofá, na nossa mesa de trabalho ou na de jantar e fica lá a nos perguntar: “e você vai continuar aí anestesiado?”

O homem, que se apresenta diante das câmeras, nos orgulha ou nos envergonha, pois ali somos nós, desnudados, frágeis e à mercê de forças que desconhecemos.

John Donne, poeta jacobino inglês que viveu no século XVI, escreveu uma das peças mais lindas sobre a humanidade e que nos liga a todos os homens. O trecho é de uma de suas meditações, é também uma das peças mais conhecidas da literatura.

O texto original é este:






No man is an island, entire of itself;every man is a piece of the continent, a part of the main;if a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were. Any man's death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee.



Na tradução de Paulo Vizioli, fica assim:



Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme.


Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar um teu amigo, ou o teu próprio.


A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti.


Se cada vez que vemos uma injustiça, uma violência, uma abandono, uma morte, um nascimento, uma superação e nos sentimos parte dela é porque apesar de todas as provas em contrário, não somos ilha, somos continente.


Hoje vamos com uma só foto - já vimos demais esta semana - tirada num dos lugares mais movimentado do mundo, a Quinta Avenida em NY.

No meio do burburinho, no lugar de consumo desenfreado, está plantada está escultura, feita do mais duro bronze e de uma leveza incomparável, um homem, só um, carrgea o mundo nos ombros. O homem é maciço, forte, um deus e com sua força suspende um planeta inteiro, leve, ôco, feito de poucas linhas.

O homem mais forte que o mundo?
Seria Atlas?
Não, eu mesmo.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

The Sound of Silence

O assunto SILÊNCIO faz um barulho danado dentro da gente.

Difícil falar de algo que é ausência.

Buscar a etimologia não ajuda muito, a palavra vem do latim silentium, de silens (silere) que significa estar em repouso, tranquilidade, descanso. Mas nem sempre neste estado estamos em silêncio.

Houve silêncio no início do mundo e haverá silêncio no final dos tempos, não consigo aprender com estes, pois não participei do primeiro e nem vou participar do último.

Presenciei uma tempestade de neve.
A neve caía silenciosa, mas não provocava o silêncio, ao contrário, quanto mais neve, mais agitação. Numa grande cidade uma nevasca é um transtorno, é lógico, mas não vi ou ouvi nem uma sugestão em algum canal de televisão de como apreciar a natureza se manifestando.
Queria ter ficado em silêncio, mas não consegui.

Em meio ao barulho vou procurando a imagem do silêncio.

O título do post não foi à toa. Simon e Garfunkel cantam lindamente:


And in the naked light I saw

Ten thousand people, maybe more.

People talking without speaking,

People hearing without listening,

People writing songs that voices never share

And no one dared

Disturb the sound of silence.


Mas como representá-lo?

Uma exposição em cartaz por aqui me chamou atenção pelo título: “The Sound of one hand”






Fui lá para descobrir, ó santa ignorância, Hakuin, mestre do zen budismo,(1685 -1768), que baseava sua prática de meditação na decifração dos “Koan”, pequenas perguntas que não poderiam ser respondidas pela razão e sim pela intuição através da meditação.

Seu Koan mais famoso, e que seus discípulos eram orientados a buscar a resposta como primeiro passo para se tornarem mestres, era:

You know the sound of two hands clapping; tell me, what is the sound of one hand?"

Qual seria então o som de uma mão?

Ou alguém tem dúvida que a mão de Saramago e a de Antonio Nobre falavam?






Simónides, poeta grego, dizia: “A Pintura é uma poesia silenciosa e a Poesia é uma pintura que fala.”

Ainda vou voltar a este grego, pois ele tem outras idéias também geniais que vou trazer para cá.

Mas agora silêncio, a Pintura vai falar:




Primeiro a mão dos deuses







depois as que nos levam para outra dimensão com sua arte






A mão do mundo real


a mão da dor






a da dor maior ainda




a mão da esperança
e a de mais esperança ainda

Agora quem fala é a Poesia e já chega pedindo silêncio, alguém vai desobedecer Neruda?








O dia já está quase raiando e eu também preciso estar só para que ele chegue.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O último comentário feito neste blog dizia “..."Ó Maria, diz àquela cotovia que cante mais devagar, não vá o menino acordar..." e é lógico que provocou uma busca da poesia em questão, pois o verso é de uma beleza daquelas que por aqui são as mais apreciadas: as que falam de um momento na vida da gente que mesmo não tendo consciência que vivemos marcaram para sempre o nosso corpo e a nossa memória.



A cena dos pais preocupados com o sono do filho onde nem mesmo um passarinho de canto delicado como a cotovia podia incomodar, é tão linda que até vemos os dois com o dedo nos lábios mandando o passarinho calar.











O poema é de António Nobre, poeta português , um dos representantes do movimento simbolista em Portugal. Morreu cedo de tuberculose aos 33 anos.




Publicou somente um livro antes de morrer, chamado "SÓ" , que ele mesmo declarava :”o livro mais triste que há em Portugal” .


Sua obra é marcada por lembranças felizes da infância, das paisagens e das gentes simples do norte de Portugal, no Douro onde nasceu.


Apesar de sua obra demonstrar um sentimentalismo aparentemente simples, refletido em temas recorrentes : a saudade, o exílio, a pátria e a poesia, este sentimentalismo ganha uma dimensão mítica, por vezes um certo visionarismo, na procura de um passado pessoal perdido pelo desenraizamento da sua pátria ou pelo sentimento de amargura que a sua estagnação lhe causa, como se percebe no seu poema Carta a Manuel (quem sabe uma nova procura?)


Estas notas foram retiradas da Wikipedia, lógico, que junto com Mr. Google tem o poder de nos fazer sorrir, lembrar e sonhar, mas por favor que alguém peça que nosso sono não seja interrompido, ou melhor que só seja interrompido por um beijo como o de Eros em Psique.
.


O SONO DE JOÃO




O João dorme... (Ó Maria


Dize àquela cotovia


Que fale mais devagar:


Não vá, o João, acordar...)


Tem só um palmo de altura

E nem meio de largura:

Para o amigo orangotango


O João seria... um morango!


Podia engoli-lo um leão

Quando nasce!


As pombas são


Um poucochinho maiores...


Mas os astros são menores!





O João dorme... Que regalo!

Deixá-lo dormir, deixá-lo!


Calai-vos águas do moinho!


Ó mar! fala mais baixinho...


E tu mãe! e tu, Maria!

Pede àquela cotovia


Que fale mais devagar:


Não vá, o João, acordar...





O João dorme, o inocente!


Dorme, dorme, eternamente,


Teu calmo sono profundo!


Não acordes para o mundo,


Pode levar-te a maré:


Tu mal sabes o que isto é...


Ó mãe! canta-lhe a canção,


Os versos do teu irmão:


« Na vida que a dor povoa,


Há só uma coisa boa,


Que é dormir, dormir, dormir...


Tudo vai sem se sentir.»





Deixa-o dormir, até ser


Um velhinho... até morrer!






E tu vê-lo-ás crescendo


A teu lado (estou vendo


João! que rapaz tão lindo!)

Mas sempre, sempre dormindo...




Depois, um dia virá


Que (dormindo) passará


Do berço onde agora dorme,


Para outro, grande, enorme:


E as pombas que eram maiores


Que João... ficarão menores!






Mas para isso, ó Maria!


Dize àquela cotovia


Que fale mais devagar:


Não vá, o João, acordar...



E os anos irão passando.







Depois, já velhinho,


quando(serás velhinha também)


Perder a cor que, hoje, tem,


Perder as cores vermelhas





E for cheiinho de engelhas,


Morrerá sem o sentir:


Isto é, deixa de dormir:

Acorda e regressa ao seio


De Deus, que é donde ele veio...






Mas para isso, ó Maria!


Pede àquela cotovia


Que fale mais devagar:


Não vá, o João, acordar....


António Nobre
Paris, 1891..in. "Só"Ed. da Livraria Tavares Martins - 1968