segunda-feira, 7 de março de 2011

Janelas do Mundo




Jardins e livros são das coisas que mais gosto na vida, com eles por perto tenho a sensação de estar sempre em casa.

Uma vez fiquei sem fôlego, totalmente tomada por uma lembrança de infância ao ver uma enorme magnólia em Washington. A minha lembrança não era da árvore, e sim do perfume da flor. Na mesma viagem encontrei uma caixa de cartões com fotos de magnólias, comprei três.

Uma outra vez, em Londres, vi pela primeira vez na vida o florescer das cerejeiras. Não tinha nenhuma lembrança desta árvore, mas devo ter tirado umas 50 fotos das árvores na tentativa de manter comigo aquela beleza toda.

Com os livros é o mesmo. Na biblioteca pública de Boston fui procurar no acervo, Jorge Amado, na Poets House em NY achei Canção do Exílio traduzido para inglês. E nestas vezes como em outras me aquietei, estava em casa.

E sempre lembro de Borges: "Eu semprei imaginei o Paraíso como uma espécie de biblioteca".

Eu adicionaria: no meio de um jardim.

Hoje pensando em jardins e livros lembrei de um um recorte de jornal – New York Times.

Fui no Sótão e lá estava dentro da pasta azul.





WINDOWS ON THE WORLD

Maria Kodama and Matteo Pericoli
Mr. Borges’s Garden

Matteo Pericoli’s drawing of the view from Jorge Luis Borges home in Buenos Aires.
A certain house in the Buenos Aires neighbourhood of Recoleta has a window that is doubly privileged. It overlooks a courtyard garden of the kind known here as a pulmón de manzana – literally, the lung of a block – which affords it a view of the sky and an expanse of plants, trees and vines that meander along the walls of neighbouring houses, marking the passage of the seasons with their colours. In addition, the window shelters the library of my late husband, Jorge Luis Borges. It is a real Library of Babel, full of old books, their endpapers scribbled with notes in his tiny hand.
As afternoon progresses and I look up from my work to gaze out of this window, I may be invaded by springtime, or if it's summer, by the perfume of jasmine or the scent of orange blossom, mingled with the aroma of leather and book paper, which brought Borges such pleasure.
The window has one more surprise. From it, I can see the garden of the house where he once lived and where he wrote one of his best-known short stories, "The Circular Ruins''. Here, I can move back and forth between two worlds. Sometimes, following Borges, I wonder which one is real: the world I see from the window, bathed in afternoon splendour or sunset's soft glow, with the house that once belonged to him in the distance, or the world of the Library of Babel, with its shelves full of books once touched by his hands?


Este texto foi publicado no New York Times em 02/02/2011.

Desde de 1 de agosto Matteo Pericoli publica, uma vez por mês, textos e desenhos de vistas de janelas de escritores espalhados pelo mundo com o título de “Janelas para o Mundo”. Os desenhos são acompanhados por descrições do “dono” da vista.



Matteo é um ilustrador italiano conhecido pelo seu livro “Manhattan Unfurled” com desenhos de todo o horizonte de prédios de Nova York.

Seu segundo projeto, o livro “The City Out My Window: 63 Views on New York", ele desenhou a vista da janela de alguns moradores famosos de NY.

Neste projeto do NYT já foram visitados: Orhan Pamuk em Istanbul, Daniel Kehlmann em Berlin, Andrea Levy em Londres, Ryu Murakami em Tóquio, Chimamanda Ngozi Adichie em Lagos, Maria Kodama e Jorge Luis Borges's em Buenos Aires e Rana Dasgupta em Delhi.

Segue abaixo numa tradução livre o texto. Que me desculpem os tradutores, é só uma tentativa de fazer o texto chegar a quem não fala inglês.

Uma certa casa no bairro da Recoleta em Buenos Aires possui uma janela que é duplamente privilegiada. Ela abre-se para um jardim conhecido aqui como pulmão de manzanas – literalmente um pulmão verde – que lhe permite ver o céu e uma grande quantidade de plantas, árvores, e vinhas que serpenteiam os muros das casa vizinhas e marcam com suas cores a passagem das estações. Além disto, a janela abriga a biblioteca de meu falecido marido Jorge Luis Borges.

É a verdadeira Biblioteca de Babel, cheia de livros antigos, seus últimos papéis com notas rabiscadas pela sua pequena mão.

À medida que a tarde cai, eu descanso os olhos do meu trabalho para apreciar esta janela, e posso ser invadida pela primavera, ou se é verão pelo cheiro do jasmim ou o perfume das laranjeiras, misturados ao aroma do couro e do papel dos livros que davam tanto prazer a Borges.

A janela tem uma surpresa a mais. Dela, posso ver o jardim da casa onde Borges viveu e escreveu um dos seus mais conhecidos contos: “Las Ruinas Circulares”. Aqui eu posso ir e vir entre dois mundos. Algumas vezes, segundo o próprio Borges, me pergunto qual dos dois é real: o mundo que vejo da janela, banhado pelo esplendor da tarde ou pelo brilho delicado do por – do – sol, com a casa que lhe pertenceu à distância, ou o mundo da Biblioteca de Babel, com suas prateleiras cheias de livro que um dia suas mãos tocaram?

Vale a pena ir ao site de Matteo e conhecer seu trabalho.

O que a sua janela mostra e o que ela abriga?




A minha janela atual se abre pra tantas possibilidades quanto o número de outras janelas que vejo, e abriga meu trabalho de toda a vida: família.