segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011


Minha querida amiga Denise,

Como nas cartas de antigamente, escrevo estas mal traçadas para te dizer que estou aqui na nossa terra.

Li teu poema sobre as 5 Marias e fui procurar as minhas 5 Marias para te convidar para um joguinho rápido enquanto nossas mães não nos chamam para tomar banho e jantar.

Como não achei no Sótão, e muito menos no Porão, pois jóia rara que são não é lá que estariam, achei que deveria ir à Rua Oswaldo Cruz e anotei o seguinte para te contar.

"Hoje eu fui à nossa rua.

Fui a pé, sem sapatos, como antigamente. Queria sentir a areia quente, espetar espinho ou gravatá na sola, só para sentir aquela dorzinha fina.

Queria ver também se ainda estavam impressos no chão, esmagados pelos carros cobras e sapos, fósseis de pernas abertas e corpo mutilado que davam nojo, mas um gostinho de vitória – "destes escapamos".

Os terrenos baldios, cheios de vira-latas atrás de comida, agora estavam habitados por construções feias, verdadeiros muquifos, colados uns nos outros e, o que mais sobrava - liberdade para os olhos - era o que mais faltava respirando este enfileirado de casas.

Fui olhando as casas, mas as novas me confundiam o olhar e, só quando eu já tinha passado por uma daquelas antigas, me vinha à memória o jeito como ela estava guardada.

O caminho que estava dentro de mim tão simples e pouco habitado custava a se espelhar naquela rua real.

Não cresci muito, em tamanho bien sur, desde que vendemos a casa, mas a rua pareceu tão curta, tão sem graça...

Cheguei rápido demais à minha casa.

A casa está feia e se estivesse abandonada me causaria tristeza, mas habitada e mal cuidada me fez mal.

Todas as casas daquela quadra estão do mesmo jeito. Seus donos, atuais ou antigos, não parecem preocupados com certa dignidade que aquela rua tinha.

Toda a quadra enfeou junta: foi dada uma ordem e todas obedeceram sem contestar.

Os terrenos ainda baldios que sobram são os que mais enfeitam a rua.

Não sei que nome tem as flores roxas e amarelas que nascem naqueles campos sem dono, mas, cuidadas por ninguém, fazem mais pela memória do que existia do que o atual estado das coisas.

Fiquei com vontade de dar um grito:
- Vocês sabem como fomos felizes aí?
Que esta casa e as outras como a da Margareth, do Eduardo, da Denise, da Glória, já tiveram vida melhor do que vocês estão dando a elas?

Desisti, nem iriam me ouvir.

Dei meia volta e chutei uma pedra. Embaixo dela 5 pedrinhas sorriam: eram as 5 Marias das nossas tardes preguiçosas de Clube Juvenil, onde em campeonatos disputadíssimos gastávamos o tempo da infância.

Este sim: comprido, bonito, livre, povoado de casas arrumadas e bem tratadas, onde entrávamos e saíamos só para comer e dormir - a rua era nossa.

A rua real é a rua real, mas a da memória é a que atravesso todos os dias com minhas 5 Marias no bolso, chamando as outras Marias para no chão jogarmos as pedrinhas e rirmos a larga.
E sem saber que fazíamos como Fernando Pessoa, que nem tinha nascido para nós naquele tempo, mas já guardava rebanhos:

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Quer jogar? "

Beijo
Martha





quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Em fevereiro tem carnaval




Em fevereiro (em fevereiro)
Tem carnaval (tem carnaval)
Tenho um fusca e um violão




Do fusca e do violão falaremos depois mas, carnaval, É em fevereiro , apesar de cair em março este ano.

Ontem, dia primeiro de fevereiro, já dei uma revirada no Sótão e no Porão e achei textos, fantasias, músicas, alegrias, tristezas, amores de carnaval.

No meio de tantas Cleópatras, Palhaços, Colombinas, Pierrots, Mascarados, funkeiros, “Axézeiros”, quem se importa se estamos rindo, chorando, amando, beijando?

Quando poderemos de novo dar aquele beijo sem pudores no meio de tudo e de todos?
Dançar de qualquer jeito?
Obedecer a quem nos obedece o ano todo? Ai do grande engenheiro, que faz a roncar a cuíca na bateria, se roncar fora do apito do mestre; é aquele mesmo, o mestre de obras que ouve broncas o ano inteiro.

Carnaval é isto, a transgressão do ano inteiro. E não é à toa que por aqui o ano só começa depois do carnaval, depois que purgamos todo o peso do ano anterior, ficamos prontos para o seguinte.

E vamos começar com dois fatos inusitados: Machado de Assis e o ano em que não teve carnaval no Rio.

Não, não tem lança-perfume nem bebida alcoólica aqui e isto não é um texto de ficção, desculpe a piada barata - de ficção científica.

Quem conta isto é Artur Xexéo, no Globo de hoje, com quem fico fazendo concorrência aqui na internet pelo número de leitores; ele diz que tem 17 e eu já tenho 26.

Recomendo ler a crônica, que não trata só de carnaval, trata do valor de uma obra do maior escritor brasileiro, mas isto, meus caros, vocês podem descobrir no site dele.

O livro do qual foram extraídos os trechos citados por Xexéo é de uma coletânea de crônicas sobre o Rio, escritas por Machado de Assis em 1894 e 1895.

Segundo a crônica, o carnaval de 1894 no Rio de Janeiro foi proibido por lei; talvez, segundo Xexéo, por conta da Revolta da Armada de 1893 (Google para maiores detalhes) e o povo cumpriu a lei.

Por que? Não se sabe, pois já naquele tempo havia leis que não pegavam, mas esta pegou e Machado comentou:

“Quando eu li que este ano não pode haver carnaval na rua, fiquei mortalmente triste. É crença minha, que no dia em que deus Momo for de todo exilado deste mundo, o mundo acaba. Rir não é só le propre de l’homme, é ainda uma necessidade dele. E só há riso, e grande riso, quando é público, universal e inextinguível(...)”

Não conheço a vida de Machado a fundo, mas não imagino-o de mãos dadas com Carolina, fantasiados, brincando com confetes e serpentinas, brincando pelas ruas do Rio. A lança-perfume só apareceria em 1904.

Indignado com a proibição, no dia 11 de fevereiro ele registra:

“Nunca houve lei mais fielmente cumprida do que a ordem que proibiu, este ano, as folias do carnaval. Nem sombra de máscaras na rua. Fora da cidade, vi quarta-feira de cinza algum “confetti” no chão. Crianças naturalmente que brincaram da janela para a rua, a menos que não fosse da rua para a janela. Os chapéus altos, que desde tempos imemoriais não ousavam atravessar aquela região no mundo que fica entre a Rua dos Ourives e a Rua Gonçalves Dias, e que é propriamente a Rua do Ouvidor, iam este ano abaixo e acima sem a menor surriada. Quem nos deu tal rigorismo na observação de um preceito?

Como Carnaval é festa móvel, e a conta faz perder a graça da festa, em 3 de fevereiro de 1895 Machado publicou outra crônica e, pelo escrito, ficou feliz:

“Tantas são as matérias em que andamos discordes, que é grande prazer achar uma em que tenhamos a mesma opinião. Essa matéria é o carnaval. Não há dois pareceres; todos confessam que este ano foi brilhante, e a mais de um espírito azedo e difícil contentar ouvi que a Rua do Ouvidor esteve esplêndida.
Ouvi mais. Ouvi que houve ali janela que se alugou por duzentos mil réis, e terá havido outras muitas. É ainda uma causa da harmonia social, porquanto, se há dinheiro que sobre, há naturalmente conciliação pública. Nas casas de pouco pão é que ao adágio acha muito berro e muita sem razão. Uma janela e três ou quatro horas por duzentos mil réis é alguma coisa, mas a alegria vale o preço. A alegria é a alma da vida. Os máscaras se divertem à farta, e aqueles que os vão ver passar não se divertem menos, não contando a troca de “confetti” e de serpentinas, que também se faz entre desmascarados. Uns e outros esquecem por alguns dias as horas aborrecidas do ano.”

Graças a Jorge Benjor, comecei cantando.

Graças a Xexéo, achei o assunto de hoje.

Graças a Machado lembrei e aprendi:
1- Só o homem ri e o faz por necessidade
2- Que “surriada” é uma descarga de artilharia, um alarido com intuito de vaiar.

Graças a Suzy, amanhã ou depois saberemos o que é “confetti” e o que ele pode causar.

Graças a Dionísio ou Baco, como queiram, temos o carnaval.

Vamos em frente, que "o tempo ruge e a Sapucaí é grande" mas

Cuidado que a Mangueira vem aí, e é melhorar se segurar que a poeira vai subir...