terça-feira, 7 de setembro de 2010



Grandes surpresas acontecem aqui neste Sótão e Porão e as mais agradáveis são aquelas que juntam quem estava há muito separado.

Encontrar amiga de infância não tem preço.

Amiga querida, de férias passadas juntas onde na falta do que fazer, e as férias eram assim mesmo, não fazer nada; fundamos um “clubinho” para nos divertimos nas tarde de verão, onde as manhãs eram ocupadas com a praia.

Nas férias nos mudávamos de mala e cuia da casa da cidade para a casa da praia. Ficavam a 20 km uma da outra, mas a mudança era completa, naquela época dizia-se: “Vamos veranear”. Hoje em dia soa tão fora de moda quanto dizer que fulano e fulano estão de paquera. Nem as crianças mais podem se dar o luxo de passar 2 ou 3 meses por ano sem fazer nada, precisam fazer algo nas férias, cursos, acampamentos, viagens exaustivas. Não se concebe ficar no ócio.

Mas voltando a minha amiga e ao nosso clubinho, chamava-se Clube Juvenil, e nossa marca era uma raquete de tênis desenhada por meu pai.

Éramos uns 10, entre meninos e meninas de diversas idades. O que fazíamos? Trocávamos gibis, nos encontrávamos para ler juntos, ouvir música, jogar frescobol na frente de casa, fazer passeios de bicicleta cada vez mais longe de casa. A cada ano ganhávamos permissão para ir mais longe.

No meio disto, umas “paqueras”, umas amigas que faziam fofoca, brigas com irmãos, um mini mundo, uma escolinha de relações sociais, onde aprendemos a conviver e juramos nunca nos separarmos.

Perdemos o clubinho quando ganhamos o mundo.

Mas nada igual àquele instante que nos re-encontramos e disparamos a conversar como se os 30 anos fossem 30 horas.

Tudo isto para apresentar a vocês minha querida amiga Denise que passados todos estes anos nos encontramos pessoalmente e virtualmente.

O nosso clubinho nos deu régua e compasso para fazermos blogs, e vamos nos encontrar de novo em mais um clubinho, desta vez de leitura.

Vou deixar para vocês a surpresa de ir ao blog da Denise
www.debondan.wordpress.com e se deliciarem com o último post. Mas não parem nele, pois o arquivo dela é para ler com a alma.

As traças estão meio desorientadas numa mistura de férias com vida nova, mas foram buscar na estante “Clássico dos Clássicos” um texto maravilhoso de linhas e agulhas:


– Um Apólogo de Machado de Assis.

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!