Este assunto é para as traças e os cupins roerem até não sobrar nada.Nem um pozinho vai sobrar para aquele dia que resolvermos fazer uma faxina.
A violência e a opressão que os governos e seus ditadores impõem aos seus povos é algo que definitivamente deveria ser banido da face da terra. Mas não é sobre isto que quero comentar. É sobre os efeitos disto numa mãe.
Na minha extrema ignorância nunca tinha ouvido falar em Anna Akhmatova.
Você já? Lucky you, pois só fui ter o prazer de conhecer sua obra o ano passado.
Esta poetisa russa do início do século viu a Primeira Guerra, os anos de horror do Stalinismo, a Segunda Guerra, mas o pior de tudo: viu seu filho preso, torturado e mandado para trabalhos forçados.
A história de sua vida se pode buscar em várias fontes, o que eu queria deixar aqui é um poema que faz parte de uma pequena série escrita quando seu filho estava preso.
A série chama-se RÉQUIEM, o nome já dá uma pequena idéia do que vem pela frente, e foi com este poema que fui apresentada a ela no Sheldonian Theatre em Oxford na Inglaterra em 2009.
Em 1965, Anna recebeu uma das poucas permissões que para viajar ao exterior e receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Oxford neste mesmo teatro.
Quando um dos palestrantes inspirou-se na história dela, para fazer seu discurso, contando daquela mulher pequena, usando sempre um xale preto nos ombros e sendo ovacionada pela platéia, vocês podem imaginar o que sentiram os que estavam lá.
Vou transcrever um dos trechos de RÉQUIEM:
No Lugar de um Prefácio
Nos anos terríveis da Iéjovshtchina, passei dezessete meses fazendo fila diante das prisões de Leningrado. Um dia, alguém me “reconheceu”. Aí, uma mulher de lábios lívidos que, naturalmente, jamais ouvira falar em meu nome, saiu daquele torpor em que sempre ficávamos e, falando pertinho de meu ouvido (ali todas nós só falávamos sussurrando), me perguntou:
- E isso, a senhora pode descrever?
E eu respondi:
- Posso.
Aí, uma coisa parecida com um sorriso surgiu naquilo que, um dia, tinha sido o seu rosto.
Leningrado, 1/4/1957
Existem momentos na vida da gente em que não há palavras nem pensamentos, é só silêncio e às vezes o silêncio também não é suficiente para dividir conosco o que sentimos. Mas aí aparece algo ou alguém que pode nos entender e nos dão as palavras que nos lêem e dão sentido ao que sentimos.
Os poetas, os escritores, as crianças e a natureza são as maiores fontes destas respostas.
Os sótãos e porões não existem mais nas casas modernas, por isto criei este lugar para: - descobrir coisas esquecidas tais como, uma poesia, um trecho de um livro clássico, fotos, e muito mais, - um lugar para guardar por algum tempo coisas que você não quer mais, mas que de vez em quando quer olhar - um lugar para deixar seus sentimentos de mágoa, raiva, e tudo o que nos faz mal e pedir às traças e aos cupins que os destruam de vez. Entre neste sótão e neste porão e fique à vontade.
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domingo, 8 de agosto de 2010
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