domingo, 8 de agosto de 2010

Qual é o vestido dos seus sonhos?

Fui buscar no porão, numa estante de pé quebrado, minha coleção capa dura, verde, com letras prateadas das obras de Monteiro Lobato. As traças e cupins que não se atrevam a chegar perto dela enquanto não encontro outro lugar para acomodá-la.

Fui lá porque me veio de repente uma pergunta:

Qual foi o vestido que eu nunca esqueci?

Comecei a perguntar para algumas amigas e todas tinham uma lembrança. Elas variavam das mais maravilhosas às mais desastradas e cafonas.

Mas eu não queria saber dos vestidos reais e sim dos imaginários.

Aquele que quando éramos pequenas vimos no primeiro casamento que fomos, ou naquela ilustração do conto de fadas favorito, ou no “figurino” que se comprava para fazer roupas com a costureira da família. Pois é, para algumas é uma imagem tão marcante que passam à vida procurando algo que chegue pelo menos perto do original, ou melhor, algo que lhes faça sentir o que imaginavam que sentiriam se vestissem aquela roupa.

Pois foi por isto que procurei Monteiro Lobato. O vestido de sonhos que nunca abandonou a minha imaginação e meu desejo de ter igual foi o que li quando pequena em “Reinações de Narizinho”.

Era o vestido de noiva de Narizinho para seu casamento com o Príncipe Escamado no Reino das Águas Claras. Lembram?

É puro sonho e imaginação.

Um vestido impossível de ter e por isto o desejo nunca realizado. Só a Narizinho teve este vestido.

Ai que inveja! Inveja de mulher, aquela bem horrível, apesar de adorar a Narizinho e me sentir sua amiga íntima.

Cada vez que me deparo na escolha de um vestido para uma data importante na minha vida penso nele.

Somos assim mesmo: mudamos nosso papel no mundo, conquistamos nossa independência financeira e emocional, criamos muitas vezes sozinhas nossos filhos, mas um vestido novo....

Só nós sabemos do que é capaz.

Vamos ver como Monteiro Lobato descreveu o “meu” vestido.

O VESTIDO MARAVILHOSO

.....Narizinho e Emília escolhiam figurinos em casa de Dona Aranha Costureira. Depois passaram a escolher fazendas. Dona Aranha tirou de seus armários de madrepérola um vestido cor do mar como todos os seus peixinhos; e com o maior pouco caso, como se fosse uma coisinha barata, desdobrou-o diante das freguesas assombradas.

- Que maravilha das maravilhas! – exclamou Narizinho, de olhos arregalados, sentindo uma tontura tão forte que teve de sentar-se para não cair.

Era um vestido que não lembrava nenhum outro desses que aparecem nos figurinos. Feito de seda? Qual seda nada! Feito de cor – e cor do mar! Em vez de enfeites conhecidos – rendas, entremeios, fitas, bordados, plissés ou vidrilhos, era enfeitado com peixinhos do mar. Não de alguns peixinhos só, mas de todos os peixinhos – os vermelhos, os azuis, os dourados, os de escamas furta-cor, os compridinhos, os roliços como bolas, os achatados, os de cauda bicudinha, os de olhos que parecem pedras preciosas, os de longos fios de barba movediços – todos, todos!... Foi ali que Narizinho viu como eram infinitamente variadas a forma e a cor dos habitantes do mar. Alguns davam a idéia de verdadeiras jóias vivas, como se feitos por um ourives que não tivesse o menor dó de gastar os mais ricos diamantes e opalas e rubis e esmeraldas e pérolas e turmalinas de sua coleção. E esses peixinhos-jóias não estavam pregados no tecido, como os enfeites e aplicações que usam na terra. Estavam vivinhos, nadando na cor do mar como se nadassem na água. De modo que o vestido variava sempre, e variava tão lindo, lindo, lindo, que a tontura da menina apertou e ela pôs-se a chorar.

-É a vertigem da beleza! – exclamou Dona Aranha sorridente, dando-lhe a cheirar um vidrinho de éter.

Emília espichou a munheca para apalpar a fazenda; queria ver se era encorpada.
- Não bula! Murmurou Narizinho com voz fraca, ainda de olhos turvos.

O mais lindo era que o vestido não parava um só instante. Não parava de faiscar e brilhar, e piscar e furtar-cor, porque os peixinhos não paravam de nadar nele, descrevendo as mais caprichosas curvas por entre as algas boiantes. As algas ondeavam as suas cabeleireiras verdes e os peixinhos brincavam de rodear os fios ondulantes sem nunca tocá-los nem com a pontinha do rabo. De modo que tudo aquilo virava e mexia e subia e descia e corria e fugia e nadava e boiava e pulava e dançava que não tinha fim... A curiosidade de Emília veio interromper aquele êxtase.

- Mas quem é que fabrica esta fazenda, Dona Aranha? – perguntou ela, apalpando o tecido sem que Narizinho visse.
- Este tecido é feito pela fada Miragem – respondeu a costureira.
- E com que a senhora corta?
- Com a tesoura da Imaginação.
- E com que agulha cose?
- Com a agulha da Fantasia.
- E com que linha?
- Com a linha do Sonho.
- E... por quanto vende o metro?

Narizinho já mais senhora de si, deu-lhe uma cotovelada.
- Cale-se Emília. Os peixinhos podem assustar-se com suas asneiras e fugir do vestido.





Agora, vai dizer que este não é o vestido dos sonhos de qualquer uma?

As descrições dos peixes e os apartes da Emília fazem deste trecho uma preciosidade tão grande quanto o vestido em questão.

Desta vez não tem foto, pois o texto original também não tinha e – precisa?

Qual é o vestido dos seus sonhos? Conte logo e o proteja das traças e cupins. Apesar de que quando bem guardados eles nem chegam perto.

2 comentários:

Karla disse...

"-É a vertigem da beleza! – exclamou Dona Aranha sorridente"
é tão delicioso quando isso acontece. Acredito na beleza como acredito em Deus!
adoreeeeei!
mtos bjos

Martha Estima Scodro disse...

Karla, se a gente for olhar frase por frase deste texto, é uma vertigem atrás da outra.

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