E chegou dezembro...
Iniciei com 1 dia de atraso o Calendário do Advento - tempo de espera. Enquanto espero, penso, lembro, reflito.
Momentos novos despertam os já vividos num delicado abrir e fechar de armários a procura de lembranças.
Os americanos chamam de “walk in closet”, o armário que nos envolve com prateleiras, cabides e gavetas.
Nestes “walk in closets” as lembranças nos espreitam em lugares inusitados e, uma vez lá dentro, a noção de tempo se transforma, e, suspensos no ar pelo cheiro do passado cuidadosamente dobrado e arrumado, flanamos sobre nós mesmos.
Os museus são para mim um tipo de “walk in closet”, principalmente os pequenos, meus preferidos; aqueles que foram um dia a casa de alguém, ou os que guardam em lugar especialmente construído, uma coleção particular. Entrar num destes museus me provoca, ora, uma sensação de intimidade com o dono, ora, uma sensação de constrangimento, como se pisasse em lugar privado que não deveria ser exposto a tantos olhos.
Mas, voltando ao armário. Outro dia entrei em um deles. Foi no Metropolitan Museum em Nova Iorque que, pelo seu gigantesco tamanho, parece não dar espaço para experiências intimistas.
Engano.
Gosto de entrar neste museu contornando a escadaria central pela direita e seguir em frente até a Ala Medieval de Esculturas.
No caminho vou desacelerando a energia de Nova Iorque: o trânsito barulhento das buzinas e sirenes, as ordens dos guardas para a inspeção das bolsas, a fila enorme da chapelaria, o formigueiro de gente no “Great Hall” – tudo fica para trás.
O grande atrium iluminado dramaticamente, e propositalmente escuro, aguça meus sentidos e me faz mais observadora. As vozes diminuem, a temperatura cai em alguns graus. O momento é de instropecção.
A grade do coro da Catedral de Valadolid, ao fundo, ao mesmo tempo que me convida a entrar, me protege do mundo externo; fecho os olhos e tento ouvir um coro gregoriano, as vozes dos monges que me conduzirão à vida eterna. Ali começo a visita, e ali gosto de terminá-la. A emoção do que vi pelas inúmeras salas, guardo-a naquele hall, para encontrá-la na próxima vez, como se fosse a primeira.
Mas ontem, este “walk in closet” abriu uma porta nova, uma passagem secreta dentro do armário conhecido.
Ao chegar ao hall medieval me deparei com uma imensa árvore de natal e um presépio ao seu redor.
Eram 16:30, todas as luzes se apagaram e “Noite Feliz” suavemente envolveu o ambiente.
Ainda agitada pelo que deixei lá fora, tentei procurar um papel que me explicasse o que estava acontecendo, busquei um lugar para enxergar melhor, me inquietei, peguei a câmera, mas, vi o aviso que não é permitido fotografar. A minha agitação destoou do ambiente.
Uma luz, mais suave ainda do que a música, se é que era possível, iluminou a coroa do menino Jesus. Deitado na manjedoura, sem roupa, entre Maria e José, o menino foi inundado por ela, sua coroa brilhou sozinha, e o resto - penumbra.
A luz iluminou em sequência: Maria, José, e os 3 querubins que, dispostos em sutil triângulo abrigavam a Sagrada Família.
No mesmo compasso, música e luz, se espalharam pelos anjos vestidos de seda em rosa, azul, amarelo, que dispostos em espiral se espalham pelo imenso pinheiro até a estrela do topo. Se, se desprendessem dali e subissem aos céus em grande revoada não causariam espanto. Quase pedi que me levassem junto.
Cada anjo, e são 50, foi iluminado por uma pequena vela que conferiu a seu rosto, de terracota, feições quase humanas.
Outro foco surgiu no pé da árvore e, Balthazar, Melchior e Gaspar, que souberam ler a mensagem da estrela e a seguiram como que caminham em direção à cena principal. Pouco a pouco, a cidade ao redor se coloca me movimento, sai a fornada da padaria, o sapateiro bate a sola, a ovelha pasta. Tudo é vivo novamente.
Quanto tempo dura a eternidade? Acho que uns 10 minutos no máximo.
As palmas me tiraram do sonho.
Ainda perplexa tentei entender o que era este espetáculo. Não sei ficar só na emoção.
Descubro então num folheto o mistério.
Os anjos e o presépio foram uma doação para o museu de Loretta Hines Howard Fund. Loretta Hines Howard iniciou em 1925 uma coleção de figuras de presépio napolitano do século 18, e montava-o em sua casa assim como está hoje no museu – ao redor da árvore de Natal.
Em 1957, ela apresentou pela primeira vez sua coleção no Metropolitan. Desde 1964 a coleção vem crescendo, atualmente são mais de 200 peças e, há mais de 40 anos ela é exibida no mês de dezembro como parte das comemorações de Natal do museu e da cidade.
Como se faz em família, Linn Howard, filha de Loretta ajudava sua mãe a montar a exposição e, após a morte da sua mãe em 1982, ela manteve a tradição com sua filha, Andrea Selby.
A cada ano elas criam novas ambientações para as figuras que vão sendo adquiridas, a coleção não para de crescer.
A cada ano elas criam novas ambientações para as figuras que vão sendo adquiridas, a coleção não para de crescer.
A ambientação é típica dos presépios napolitanos com os três personagens marcantes: a Sagrada Família cercada pelos animais e adornada por um templo romano - para mostrar a força da igreja católica sobre os símbolos pagãos -, os Reis Magos vindos do oriente com vestimentas exuberantes e exóticas, e as pessoas comuns da cidade e do campo ocupadas nas suas atividades diárias.
Fiquei ali, passeando no “walk in closet”, espiando minhas caixas, sacos de tecidos, capas cobrindo cabides, tinha muito para ver e lembrar.
Thank you, Mrs. Howard, pela beleza da coleção e pela grandeza do gesto de dividir o prazer de ter colecionado.
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