segunda-feira, 17 de outubro de 2011

De como uma manhã pode começar




O jornal, alimento mais perecível da mesa do café da manhã, me lê uma crônica do Joaquim Ferreira dos Santos, que começa assim:


“Quando a vida está nublada e o aeroporto da existência parece que nunca mais vai abrir para nova decolagem, é aí que eu toco a campainha do Ithay, o edifício art-déco na Nossa Senhora de Copacabana. Peço ao porteiro para me deixar pisar no mosaico de cerâmica que imita no hall as ondas do mar de dois quarteirões adiante, o fabuloso verde-azul do mar da praia de Copacabana.
Há quem tome pílulas, há quem tatue felicidade no pulso direito. Quando estou perdido, meio sem saber por onde ir, eu busco me redirecionar com a bússola que me guia os passos, a beleza da cidade onde eu nasci e que não me canso de percorrer.”.


E a crônica segue com um passeio por Copacabana, mais especificamente pelo Lido, que vai da Princesa Isabel até a Rodolfo Dantas, onde ali no número 111, por trás do portão de ferro altíssimo a vida se passou entre nublada e ensolarada.

Gostei deste começo de crônica e fiquei a pensar: Quando a vida está n ublada e o aeroporto da existência parece que nunca mais vai abrir para nova decolagem é aí que eu:

- ouço no Ipod Toada do Boca Livre e subo a serra de Petrópolis em direção a Araras.



- abro Apontamentos de História Sobrenatural do Mário Quintana e leio na página 92:



Os grilos .. os grilos .. Meu Deus, se a gente
Pudesse
Puxar
Por uma
Perna
Um só
Grilo,
Se desfiariam todas as estrelas!



- vou à geladeira e com a porta aberta dou uma “mamadinha” na lata de Leite Moça.


- troco a música por “Doe eyes” de As pontes de Madison e sonho com alguém batendo a porta suavemente.

- abro a caixa rosa com as cartas e cartões das minhas amigas recebidos nos primeiros anos em que me mudei de cidade e leio uma por uma pela milionésima vez.

- abro a outra caixa, a azul, com os cartões e desenhos dos filhos quando pequenos e leio de novo as letrinhas tortas.

- molho o pincel num azul profundo da caixa de aquarela e desenho céu e mar sem fim, até o azul desaparecer no branco da folha.


- caminho na praia, pisando a ”areia branca que seus pés irão tocar”.

- entro no chuveiro para que a água caia e se junte às lágrimas lavando o corpo inteiro.

- abro o armário, qualquer um, e num transe, esvazio prateleiras, passo pano, jogo no lixo, descubro uma peça esquecida e assim “limpada” de tralhas velhas fico leve.


- troco de novo a música agora é: “Maria era uma boa moça, prá turma lá do Gantois...” e sinto o frio da madrugada nas minhas costas, meu cabelo despenteado, a camisola rosa e o grande, enorme, iluminado sorriso do meu pai abrindo a porta de casa, no verão, para a turma da serenata entrar.

- quero ligar 2542-2786, mas a voz que quero ouvir não me atenderá.

- ligo para as primas só para escutar: Oiiiiiiiiiiiiiiiii, olááááááá´, fala prima, dependendo do número escolhido.

Talvez faça muito mais do que isto, mas será sempre a variação destas coisas que me fazem colocar a bússola no mesmo lugar: o da criança, mulher desejada, filha, amiga, desvairada, inconstante, equilibrada, amada, e que me me asseguram que o aeroporto só está fechado momentaneamente.


Mesmo que o momento dure mais do que se possa aguentar,




um pouquinho de melancolia é bom.




































1 comentários:

kika disse...

Coloquei um comentário no outro post, mas acho que se perdeu, falava da importância desses colos que trocamos, hora uma dá, hora outra dá, todas precisamos de colo em uma hora e podemos oferecê-lo em outra hora. Tem uma frase de Clarice Lispector (se não me engano)"Um amigo me chamou pra cuidar da dor dele, guardei a minha no bolso. E fui." Acho que exprime muito bem nossos momentos, por isso nossos aeroportos estão sempre abertos, é só lançar voo e...
Bjo gde com todo meu carinho

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