segunda-feira, 21 de março de 2011

Luares

Admiro os colecionadores. Passar a vida atrás de algo demanda esforço, disciplina e às vezes muito dinheiro.

Lembro sempre do José Mindlin contando como formou sua biblioteca, sonho em conhecer, ou as casas de Neruda com suas coleções malucas, mas uma especialmente interessante – sereias, ou figuras femininas que iam na proa dos navios para afastar os monstros marítimos, ou de ir ao Museu Nissim – Camondo em Paris, onde Monsieur Camondo decorou sua casa com móveis e objetos decorativos franceses do século XVIII e levou mais ou menos 20 anos para juntar duas cômodas francesas, idênticas, decoradas com placas de porcelanas de Sèvres. Mr. Frick em New York colecionou arte, da boa, e acordava no meio da madrugada para admirá-las em silêncio. Graças a seu espírito de mecenas podemos sentar na mesma sala e mergulhar naquela beleza.

Algumas coleções não custam nada, são conchinhas do mar, tubinhos de areia, folhas secas, que à medida que cruzam o caminho estende-se a mão e pega-se.

Não sei se a lua cheia desta semana está influenciando os espíritos, mas lendo a resenha de um livro no jornal, imaginei que o autor colecionava luares.

Este foi meu jeito romântico de entender o assunto do livro.

O título: Nocturne: A Journey in Search of Moonlight.

O autor, James Attlee, num passeio à noite na costa da Inglaterra viu-se de repente tomado pela imagem da lua nascendo, em suas palavras: “the rim of the harvest moon emerging from the sea, a monstrous, swollen aparition.”.

Como acontece com todos aqueles que, tocados por um acontecimento extraordinário, neste caso a lua, ou melhor, o luar, tudo passou a ter outra dimensão na vida de Attlee.

Começou pela observação do luar a partir do seu quintal, da sua rua da sua cidade e assim foi começando sua coleção. Mas as luzes das grandes cidades lhe roubavam os melhores momentos, e como numa grande coincidência, lhe caiu nas mãos um telescópio; depois uma ida a uma instalação de arte, onde o artista mostrava o resultado da transformação de notas da Sonata Moonlight de Beethoven em código Morse, que eram enviadas para a lua e, ao tocarem a superfície lunar eram de novo reenviadas para a terra. Transformadas pela viagem se convertiam em notas novamente. Para Attlee este som é mais adequado aos ouvidos do século XXI. Eu e o crítico discordamos, mas isto não invalida a coleção.

Attlee vai levando os leitores por passeios intermináveis em busca de luares: no Japão, no Arizona, nas observações sobre o luar de Goethe em Nápoles e de Dickens no Vesúvio, nas telas de Whistler onde o pintor, na série "Noturnos", usava tantas tintas e tantas cores tão diluídas para chegar na “luz” desejada que a tela precisava ser pintada deitada no chão para não escorrer.

Fiquei com vontade de procurar a minha coleção de luares, sim devo ter uma.
Como é algo que não dá para pegar e guardar numa caixa, numa gaveta ou numa pasta, vou ao Sótão e lá acharei com certeza.

E lá estavam...

O luar que iluminava, mas não vencia a noite em que tive a notícia mais triste da minha vida.

Aquele luar que iluminando uma pedrinha mínima no chão me fez levantar a cabeça para procurar de onde vinha a luz e me fez ouvir:
a lua nasce por detrás daquela mata
até parece um sol de prata
prateando a escuridão.
Para fazer uma música desta precisa ter Paixão no nome.

Também apareceu aquele da noite fria de inverno, noite de Santo Antônio, onde um olhar “acendia a fogueira no meu coração”.

Aquele luar de uma serenata: “A lua é um tiro ao alvo e as estrelas, bala e bala”.

E foram muitos e tantos que a sala antes escura agora brilha calma e prateada. Beethoven bem baixinho me ajuda a sonhar.

P.S. Este post vai sem foto, para que cada um se sinta tomado pelo seu luar.

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