Os sótãos e porões não existem mais nas casas modernas, por isto criei este lugar para: - descobrir coisas esquecidas tais como, uma poesia, um trecho de um livro clássico, fotos, e muito mais, - um lugar para guardar por algum tempo coisas que você não quer mais, mas que de vez em quando quer olhar - um lugar para deixar seus sentimentos de mágoa, raiva, e tudo o que nos faz mal e pedir às traças e aos cupins que os destruam de vez. Entre neste sótão e neste porão e fique à vontade.
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quinta-feira, 31 de março de 2011
domingo, 27 de março de 2011
Ninho Vazio
segunda-feira, 21 de março de 2011
Luares
Lembro sempre do José Mindlin contando como formou sua biblioteca, sonho em conhecer, ou as casas de Neruda com suas coleções malucas, mas uma especialmente interessante – sereias, ou figuras femininas que iam na proa dos navios para afastar os monstros marítimos, ou de ir ao Museu Nissim – Camondo em Paris, onde Monsieur Camondo decorou sua casa com móveis e objetos decorativos franceses do século XVIII e levou mais ou menos 20 anos para juntar duas cômodas francesas, idênticas, decoradas com placas de porcelanas de Sèvres. Mr. Frick em New York colecionou arte, da boa, e acordava no meio da madrugada para admirá-las em silêncio. Graças a seu espírito de mecenas podemos sentar na mesma sala e mergulhar naquela beleza.
Algumas coleções não custam nada, são conchinhas do mar, tubinhos de areia, folhas secas, que à medida que cruzam o caminho estende-se a mão e pega-se.
Não sei se a lua cheia desta semana está influenciando os espíritos, mas lendo a resenha de um livro no jornal, imaginei que o autor colecionava luares.
Este foi meu jeito romântico de entender o assunto do livro.
O título: Nocturne: A Journey in Search of Moonlight.
O autor, James Attlee, num passeio à noite na costa da Inglaterra viu-se de repente tomado pela imagem da lua nascendo, em suas palavras: “the rim of the harvest moon emerging from the sea, a monstrous, swollen aparition.”.
Como acontece com todos aqueles que, tocados por um acontecimento extraordinário, neste caso a lua, ou melhor, o luar, tudo passou a ter outra dimensão na vida de Attlee.
Começou pela observação do luar a partir do seu quintal, da sua rua da sua cidade e assim foi começando sua coleção. Mas as luzes das grandes cidades lhe roubavam os melhores momentos, e como numa grande coincidência, lhe caiu nas mãos um telescópio; depois uma ida a uma instalação de arte, onde o artista mostrava o resultado da transformação de notas da Sonata Moonlight de Beethoven em código Morse, que eram enviadas para a lua e, ao tocarem a superfície lunar eram de novo reenviadas para a terra. Transformadas pela viagem se convertiam em notas novamente. Para Attlee este som é mais adequado aos ouvidos do século XXI. Eu e o crítico discordamos, mas isto não invalida a coleção.
Attlee vai levando os leitores por passeios intermináveis em busca de luares: no Japão, no Arizona, nas observações sobre o luar de Goethe em Nápoles e de Dickens no Vesúvio, nas telas de Whistler onde o pintor, na série "Noturnos", usava tantas tintas e tantas cores tão diluídas para chegar na “luz” desejada que a tela precisava ser pintada deitada no chão para não escorrer.
Fiquei com vontade de procurar a minha coleção de luares, sim devo ter uma.
Como é algo que não dá para pegar e guardar numa caixa, numa gaveta ou numa pasta, vou ao Sótão e lá acharei com certeza.
E lá estavam...
O luar que iluminava, mas não vencia a noite em que tive a notícia mais triste da minha vida.
Aquele luar que iluminando uma pedrinha mínima no chão me fez levantar a cabeça para procurar de onde vinha a luz e me fez ouvir:
a lua nasce por detrás daquela mata
até parece um sol de prata
prateando a escuridão.
Para fazer uma música desta precisa ter Paixão no nome.
Também apareceu aquele da noite fria de inverno, noite de Santo Antônio, onde um olhar “acendia a fogueira no meu coração”.
Aquele luar de uma serenata: “A lua é um tiro ao alvo e as estrelas, bala e bala”.
E foram muitos e tantos que a sala antes escura agora brilha calma e prateada. Beethoven bem baixinho me ajuda a sonhar.
P.S. Este post vai sem foto, para que cada um se sinta tomado pelo seu luar.
segunda-feira, 7 de março de 2011
Janelas do Mundo
Uma vez fiquei sem fôlego, totalmente tomada por uma lembrança de infância ao ver uma enorme magnólia em Washington. A minha lembrança não era da árvore, e sim do perfume da flor. Na mesma viagem encontrei uma caixa de cartões com fotos de magnólias, comprei três.
Uma outra vez, em Londres, vi pela primeira vez na vida o florescer das cerejeiras. Não tinha nenhuma lembrança desta árvore, mas devo ter tirado umas 50 fotos das árvores na tentativa de manter comigo aquela beleza toda.
Com os livros é o mesmo. Na biblioteca pública de Boston fui procurar no acervo, Jorge Amado, na Poets House em NY achei Canção do Exílio traduzido para inglês. E nestas vezes como em outras me aquietei, estava em casa.
Mr. Borges’s Garden
Matteo Pericoli’s drawing of the view from Jorge Luis Borges home in Buenos Aires.
A certain house in the Buenos Aires neighbourhood of Recoleta has a window that is doubly privileged. It overlooks a courtyard garden of the kind known here as a pulmón de manzana – literally, the lung of a block – which affords it a view of the sky and an expanse of plants, trees and vines that meander along the walls of neighbouring houses, marking the passage of the seasons with their colours. In addition, the window shelters the library of my late husband, Jorge Luis Borges. It is a real Library of Babel, full of old books, their endpapers scribbled with notes in his tiny hand.
As afternoon progresses and I look up from my work to gaze out of this window, I may be invaded by springtime, or if it's summer, by the perfume of jasmine or the scent of orange blossom, mingled with the aroma of leather and book paper, which brought Borges such pleasure.
The window has one more surprise. From it, I can see the garden of the house where he once lived and where he wrote one of his best-known short stories, "The Circular Ruins''. Here, I can move back and forth between two worlds. Sometimes, following Borges, I wonder which one is real: the world I see from the window, bathed in afternoon splendour or sunset's soft glow, with the house that once belonged to him in the distance, or the world of the Library of Babel, with its shelves full of books once touched by his hands?
Desde de 1 de agosto Matteo Pericoli publica, uma vez por mês, textos e desenhos de vistas de janelas de escritores espalhados pelo mundo com o título de “Janelas para o Mundo”. Os desenhos são acompanhados por descrições do “dono” da vista.
Matteo é um ilustrador italiano conhecido pelo seu livro “Manhattan Unfurled” com desenhos de todo o horizonte de prédios de Nova York.
Seu segundo projeto, o livro “The City Out My Window: 63 Views on New York", ele desenhou a vista da janela de alguns moradores famosos de NY.
Neste projeto do NYT já foram visitados: Orhan Pamuk em Istanbul, Daniel Kehlmann em Berlin, Andrea Levy em Londres, Ryu Murakami em Tóquio, Chimamanda Ngozi Adichie em Lagos, Maria Kodama e Jorge Luis Borges's em Buenos Aires e Rana Dasgupta em Delhi.
Segue abaixo numa tradução livre o texto. Que me desculpem os tradutores, é só uma tentativa de fazer o texto chegar a quem não fala inglês.
Uma certa casa no bairro da Recoleta em Buenos Aires possui uma janela que é duplamente privilegiada. Ela abre-se para um jardim conhecido aqui como pulmão de manzanas – literalmente um pulmão verde – que lhe permite ver o céu e uma grande quantidade de plantas, árvores, e vinhas que serpenteiam os muros das casa vizinhas e marcam com suas cores a passagem das estações. Além disto, a janela abriga a biblioteca de meu falecido marido Jorge Luis Borges.
É a verdadeira Biblioteca de Babel, cheia de livros antigos, seus últimos papéis com notas rabiscadas pela sua pequena mão.
À medida que a tarde cai, eu descanso os olhos do meu trabalho para apreciar esta janela, e posso ser invadida pela primavera, ou se é verão pelo cheiro do jasmim ou o perfume das laranjeiras, misturados ao aroma do couro e do papel dos livros que davam tanto prazer a Borges.
A janela tem uma surpresa a mais. Dela, posso ver o jardim da casa onde Borges viveu e escreveu um dos seus mais conhecidos contos: “Las Ruinas Circulares”. Aqui eu posso ir e vir entre dois mundos. Algumas vezes, segundo o próprio Borges, me pergunto qual dos dois é real: o mundo que vejo da janela, banhado pelo esplendor da tarde ou pelo brilho delicado do por – do – sol, com a casa que lhe pertenceu à distância, ou o mundo da Biblioteca de Babel, com suas prateleiras cheias de livro que um dia suas mãos tocaram?
Vale a pena ir ao site de Matteo e conhecer seu trabalho.
O que a sua janela mostra e o que ela abriga?
A minha janela atual se abre pra tantas possibilidades quanto o número de outras janelas que vejo, e abriga meu trabalho de toda a vida: família.
sábado, 5 de março de 2011
3900 amigos
Como chegaram aqui? Não sei.
Um lugar para guardar coisas para encontrar ou se livrar de outras é assim mesmo. Recebe visitas inesperadas, mas nem tantas assim.
Sinal de que encontram o que querem.
A porta aberta é convite, a flor aberta é convite, e amizade não é convite é privilégio.
Para agradecer a tantos visitantes procurei uma poesia para os que já conhecem e para aqueles que por acaso entrarem aqui sem saber muito bem do que se trata.
Muito obrigado, é muito bom termos uns aos outros.
Beijos das Traças e dos Cupins
Com vocês, Vinícius de Moraes
Soneto do amigo
Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...
A traição da Bainha das Calças
O carnaval, em março, está começando, e é bom pensar em como vai acabar.
Carnaval é uma época que nos permitimos tudo, ou melhor, há anos atrás onde nada era permitido o carnaval nos dava uma folga para viver as fantasias (por favor, com trocadilho) que desejássemos.
Quer ser cigana? Quer ser bailarina, pirata, mau-caráter, se travestir de mulher, usar a saia mais curta? Fique à vontade, é carnaval, ninguém está olhando. Todo mundo está como você, preocupado em ser outra coisa, pelo menos por alguns dias.
Suzy começa sua história assim:
Às vezes não são nossos vestidos que nos causam uma alegria ou tristeza.
Aquele que não ficou bem ajustado nos deixa inquieta, e nos compromete deixando-nos insegura.
Pode uma bainha também trazer preocupação ou encrenca?
Imagina só o que achei numa folha de papel cheia de pó, caída atrás da prateleira lá do sótão.
- Suzy, posso escrever que tinha também uns confetinhos e umas serpentinas desbotados?
Confete e serpentina, um não vive sem o outro e o carnaval não vive sem eles.
Dois irmãos nascidos com diferença de 1 ano.
Apesar do confete vir de “confetti” ou confeitos de açúcar que as pessoas jogavam umas sobre as outras em Roma nos corsos pelas ruas da cidade, eles apareceram pela primeira vez feitos de papel em Paris em 1892.
A serpentina por sua vez foi inventada 1 ano depois por um funcionário dos telégrafos que utilizou tiras de papel já utilizado e que iriam para o lixo.
Mas a história da Suzy é muito mais interessante:
As roupas da excursão de barco foram afundando na água ao mesmo tempo em que os confetes foram colorindo o tanque.
- Bem... sim...não...
É que no caminho do restaurante havia um bloco de carnaval e nos atiraram confetes...
Sim foi só isso mesmo... deve ter sido neste instante.
Suzy, obrigada pela foto correta.
Nas letrinhas miúdas à esquerda da foto está escrito: Velejar é passar uma esponja nas preocupações. J. H. Altmayer.
O comandante sabia das coisas...