segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Viagens das quais não retornei

As Traças e Cupins estão revirando outros Sótãos e Porões em busca de um caderno especial chamado: VIAGENS DAS QUAIS NÃO RETORNEI.

Já subiram....

Já desceram...



E o caderno não aparece.



Talvez esteja na prateleira do SERENDIPITY, pois ali pode estar qualquer viagem.



Por exemplo:


As de Contos de Fada



As de Descobrimento



As que nos afastamos do mundo para vê-lo de cima e tomarmos nova perspectiva das coisas









As que temos um farol a nos guiar






ou aquelas em que simplesmente pegamos a primeira estrada e seguimos,






em busca das origens






testemunhando novas histórias de amor
e assim juntando partes da família que há muito tempo não se encontravam



porque nada mais importante do que raízes


Tem também aquelas em que apreciamos uma boa mesa






Ou que nos deliciamos com a simplicidade dos sabores mais antigos do mundo




Pão




Vinho



Azeitonas e azeite de oliveiras centenárias





As que relembramos histórias de amor





Viagens onde se pede ou agradece






e onde se busca um lugar para contemplar e ficar em silêncio.
Aqueles lugares onde se "é do tamanho do que eu vejo e não do tamanho da minha altura".



Acho que aqui nesta escrivaninha pode ser que apareça algo.














Enquanto isto procurem também e dividam aqui conosco.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A vida de cabeça para baixo




Em certos tempos da vida o melhor a se fazer é ficar quieto. Assim pensava Maria de manhã sozinha em casa com uma xícara de café na mão.

Quieta ela já estava fazia tempo. Por fora, vamos esclarecer bem, pois sua cabeça era um tormento dos bons e dos ruins.

Filhos criados, mas não totalmente independentes, marido no auge da capacidade de trabalho e, portanto, com pouco tempo disponível. Pai e mãe já em outro mundo.

O que sobra para Maria?

E ela responde rápido: “Eu mesmo”.

A vida de cabeça para baixo é o que ela pensa.

Quem sabe colocar tudo isto no papel e dar vazão a sua vontade de escrever pode ser uma solução. Mas não é uma escritora e sua autocrítica é tão grande que não conseguiria nem dar um título ao texto. Todos seriam, por princípio, ruins.

Outro dia ela leu uma frase de Van Gogh: “Se uma voz interior disser: - Você não é um pintor. Continue a pintar até a voz se calar”.

Maria ri um pouco: “Deve ter sido assim que ele pintou tanto e até arrancou a orelha porque a voz não deve ter se calado tão facilmente. Mas o fato é que ele pintou e eu poderia fazer o mesmo com algumas vozes que me dizem que não sou boa em coisas que gostaria de experimentar”.

Estas vozes interiores, continua Maria a pensar enquanto enche mais uma xícara de café, não apareciam com muita frequência na sua vida, pois eram tantas coisas a fazer que quando tinha tempo para ouvi-las era à noite na hora de dormir e logo adormeciam abraçadas: as vozes, Maria e o cansaço do dia.

O café quente leva Maria a uma manhã fria de quando era muito pequena. Pai, mãe e irmão na mesa.

A vida pronta como aquele café: a manteiga geladinha derretendo no pão quente que o pai tinha acabado de comprar, por cima da manteiga um pouco de açúcar. O suco de laranja espremido na hora, num espremedor de vidro grosso que até hoje está na sua casa, que misturado ao doce do açúcar lhe davam um arrepio gostoso na boca.

Controlados pelo relógio, saíam todos e se encontravam de novo ao meio dia para almoçar.

E de novo tudo pronto. Bife, arroz, feijão, salada e algumas variações.

E de novo todos saíam para suas ocupações.

À noite, mesa posta para o lanche: pão, presunto, queijo e Coca-Cola. Às vezes sopa, uma sopa tão quente que o suco tomado no dia seguinte doía na língua queimada.

E assim ia a vida.

Começa a ficar triste. São tantas saudades, carências, solidão, amigos distantes, e Maria não quer começar o dia assim.

Olha na janela, é uma cidade desconhecida, e mesmo que fosse a conhecida, seria este dia diferente?

É até melhor que seja a desconhecida, dá-lhe mais conforto. A conhecida lhe daria angústia e a falsa sensação de que está em casa e nada mudou.

Na desconhecida tem que fazer um esforço para entender os novos códigos, a nova língua, os novos costumes e até as simplicidades do dia-a-dia acontecem de forma diferente.

Deixa a xícara de café na mesa, e vai ao escritório. Liga o computador para olhar suas mensagens. Não recebe nada muito importante nunca, mas gosta de ler algumas coisas que as amigas mandam.

E uma manda um texto do Chico Buarque com foto em um café de Paris vestindo um sobretudo cinza. “Ai que lindo!” pensa ela.

Pelo início do texto Maria acha que não é dele, mas não faz mal, lê até o fim.

E o fim diz o seguinte: “Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma....”

É isto! Os olhos verdes podem não ser os autores da frase, mas acertaram em cheio.

Maria pensa: Quando a vida começou a ficar complicada? Quando aqueles quatro que tomavam café juntos se multiplicaram e se afastaram pensando que continuariam juntos?

Voluntariosa e um pouco arrogante, talvez tenha se perdido procurando algo que não sabia o que era, deixando para trás o pãozinho com manteiga e açúcar.

Levanta-se e volta à sala.

Tira a mesa, lava a louça, toma banho e vai procurar pela vida nas pequenas felicidades que estão à mão.

A sua vida, aquela que ninguém pode viver por ela.

A vida está pronta de novo, como a mesa posta para o café, o almoço e o jantar.

“Obrigada, Chico, seja você de Holanda ou não” pensa Maria.

domingo, 12 de setembro de 2010

E continua o Serendipity

Este Serendipity é mesmo um Serendipity.



Dêem uma olhada no http://www.debondan.wordpress.com/ e olhem o que aconteceu com ele.



Eu já estou munida de para não deixar passar mais nada.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

SERENDIPITY












Esta palavra, que eu amo, e tinha pensado em batizar o blog, não poderia encontrar momento melhor para aparecer.

Quando decidi fazer este blog não sabia onde me levaria esta viagem: um Sótão - lugar para guardar e encontrar emoções, lembranças, fotos, aquilo que nos faz bem. Um Porão - para guardar o que nos faz mal e que queremos banir de vez das nossas vidas ou o que precisamos “domar”, como aquelas macacas ou aquelas ervas daninhas que resolvem nos acompanhar em determinados momentos da nossa vida.

E eis que de repente: Serendipity!


Escrevo sobre um vestido.
Várias pessoas escrevem também.
Reencontro num outro momento uma amiga, que também tem um blog e que escreve a partir de um post do meu que foi enviado por uma terceira amiga e corrigido por uma quarta.


Isto é Serendipity: fazer uma coisa e encontrar outra.




A partir destes acontecimentos totalmente aleatórios novas relações são criadas, antigas relações são revividas, o que era desconhecido ganha luz, as distâncias antes enormes se encurtam, as vidas até então totalmente diferentes passam a ter tanto em comum que a partir deste momento não é mais possível ser como antes.

Todos estes acasos só podem ser percebidos e vividos por mentes abertas, por olhos sem máscaras, e por corações e almas prontos para viverem emoções inesperadas.

Percebem que fazem parte de um grande bordado, feito ponto a ponto, com aquele capricho que não se consegue distinguir o avesso do direito porque o carinho pede capricho, não pode ser de qualquer jeito.




Tal como “Os Três Príncipes de Serendip”, a história que deu origem a esta palavra, lá vão elas pelo mundo, prontas para descobrirem, ao acaso ou não, respostas e perguntas que chegarão por acaso, ou não.

Para sempre estarão mudadas.





terça-feira, 7 de setembro de 2010



Grandes surpresas acontecem aqui neste Sótão e Porão e as mais agradáveis são aquelas que juntam quem estava há muito separado.

Encontrar amiga de infância não tem preço.

Amiga querida, de férias passadas juntas onde na falta do que fazer, e as férias eram assim mesmo, não fazer nada; fundamos um “clubinho” para nos divertimos nas tarde de verão, onde as manhãs eram ocupadas com a praia.

Nas férias nos mudávamos de mala e cuia da casa da cidade para a casa da praia. Ficavam a 20 km uma da outra, mas a mudança era completa, naquela época dizia-se: “Vamos veranear”. Hoje em dia soa tão fora de moda quanto dizer que fulano e fulano estão de paquera. Nem as crianças mais podem se dar o luxo de passar 2 ou 3 meses por ano sem fazer nada, precisam fazer algo nas férias, cursos, acampamentos, viagens exaustivas. Não se concebe ficar no ócio.

Mas voltando a minha amiga e ao nosso clubinho, chamava-se Clube Juvenil, e nossa marca era uma raquete de tênis desenhada por meu pai.

Éramos uns 10, entre meninos e meninas de diversas idades. O que fazíamos? Trocávamos gibis, nos encontrávamos para ler juntos, ouvir música, jogar frescobol na frente de casa, fazer passeios de bicicleta cada vez mais longe de casa. A cada ano ganhávamos permissão para ir mais longe.

No meio disto, umas “paqueras”, umas amigas que faziam fofoca, brigas com irmãos, um mini mundo, uma escolinha de relações sociais, onde aprendemos a conviver e juramos nunca nos separarmos.

Perdemos o clubinho quando ganhamos o mundo.

Mas nada igual àquele instante que nos re-encontramos e disparamos a conversar como se os 30 anos fossem 30 horas.

Tudo isto para apresentar a vocês minha querida amiga Denise que passados todos estes anos nos encontramos pessoalmente e virtualmente.

O nosso clubinho nos deu régua e compasso para fazermos blogs, e vamos nos encontrar de novo em mais um clubinho, desta vez de leitura.

Vou deixar para vocês a surpresa de ir ao blog da Denise
www.debondan.wordpress.com e se deliciarem com o último post. Mas não parem nele, pois o arquivo dela é para ler com a alma.

As traças estão meio desorientadas numa mistura de férias com vida nova, mas foram buscar na estante “Clássico dos Clássicos” um texto maravilhoso de linhas e agulhas:


– Um Apólogo de Machado de Assis.

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!



quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Às margens do Rio Guayba

Suzy Altmayer manda para o nosso sótão mais um vestido: "Lembrança de um conto passado de mãe pra filha sobre um vestido que não teve a mesma sorte destes aí".


Era um vestido especial, daqueles de ir à missa aos domingos, muitas fitas e rococós como se usava nos anos 30.
Bem cedo era um vem de cá e vai pra lá, a casa se preparava para a missa dominical.

Maria era a primeira a ser arrumada, penteadas suas tranças, vestido engomado, esperava pelos adultos.
Na véspera sua avó tinha começado a lhe ensinar a bordar. Riscara uma florzinha num paninho algodãozinho simples, a menina estava encantada e queria terminar logo esta flor. Não estava com paciência de missa, tinha tanto que aprender. Sua avó e sua mãe, nas tardes compridas às margens do Rio Guayba, trocavam riscos e linhas, também queria bordar com elas.
Enquanto esperava lhe chamarem, sentou-se ao pé do abacateiro em frente ao avarandado com seu bastidor tentando seguir o traço, quando sentiu algo cair dentro do vestido.
Era um bichinho: formiga, joaninha? Uma aranha? Que medo! Fez um apertadinho do bichinho no vestido e zupt... meteu a tesoura livrando-se do inoportuno visitante. Mas, e agora? Lá ficou um buraco no vestido.
Sua mãe, mulher severa, não achou nenhuma graça; e para castigo de Maria o pedacinho foi costurado ali outra vez... Um remendo feio no meio de tanta boniteza!
Maria junto com os pontos do bordado também aprendeu que a tesoura era só para cortar a linha.



Lembrança de um fato contado-me por Lourdes Maria, aquela que anos depois me fez o vestido xadrezinho.